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A nova normalidade

Adriano Pires - Com o mundo ficando totalmente de cabeça para baixo com a pandemia de covid-19, a sociedade, na sua grande maioria, resolveu fazer um mea culpa e prometer que a era pós-pandemia seria diferente e que uma nova normalidade surgiria em 2021. Mas o que seria esta tal “nova normalidade”, se a pandemia ainda está longe de nos abandonar? Parece aquela velha promessa que você faz depois de beber demais e enfrentar uma ressaca sem precedentes, de não beber nunca mais e passar a viver uma nova normalidade. Curada a ressaca, você volta à normalidade e continua tomando seus porres.

O comportamento do ser humano diante das crises e tragédias é previsível: as mesmas promessas de que tudo vai mudar quando a tempestade passar. Exatamente o que estamos vendo hoje, todo mundo prometendo que nada será como antes. Mas bastou a sensação de que a pandemia teria diminuído para que as pessoas voltassem a lotar praias, bares, restaurantes, estradas e aeroportos nos feriados. No que diz respeito ao lazer e à diversão, voltamos rapidamente ao velho e bom normal.

Nas relações de trabalho ou na volta às escolas prevalecem a cautela, diante do perigo representado pelo vírus, assim como as ideias de que o mundo do trabalho e das escolas só voltará a funcionar quando chegar a tal “nova normalidade”. Por isso o que mais ouvimos é a defesa do home office para estudantes e trabalhadores, que seria a nova relação de trabalho e na educação trazida pela pandemia.

Com a chegada das tão esperadas e desejadas vacinas, a tendência, a meu ver, é de voltarmos à velha e boa normalidade. Não quero afirmar que não acredito em transições, em mudanças tecnológicas e de hábitos ou na chamada destruição criativa que o mundo sem dúvida está vivendo e continuará a viver nas próximas décadas. Mas, olhando a História, verificamos que essas mudanças estruturais e de ciclo econômico levam tempo e são feitas de forma mais lenta do que imaginamos quando estamos vivendo e envolvidos num período de turbulência como o atual. As promessas assumidas de mudar quando estamos no corner tendem sempre a ser exageradas e muitas vezes esquecidas quando passada a tempestade.

Decretar o fim do consumo do petróleo é bonito e sensual na tal agenda verde. Porém, com a retomada da economia, vamos, com toda certeza, presenciar o crescimento do consumo do petróleo, do gás natural e mesmo do carvão. Em particular nos países onde, em razão dos níveis de renda e de questões sociais, o S do acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance) deve ficar à frente do E das questões ambientais como prioridade. E a palavra prioridade precisa ser sempre colocada no singular, entendendo a realidade de cada país.

O mundo sai mais pobre desta pandemia e vai precisar de energia abundante e barata, como são as fósseis, para dar garantia de abastecimento sustentando o crescimento econômico e aumentando o nível de emprego e de renda.

No Brasil, temos de aproveitar o pré-sal, que produz petróleo de qualidade a um custo baixo para exportar, além do gás natural do pré-sal e das reservas de gás da Amazônia para produzir energia elétrica, gerando royalties para a União, Estados e municípios. É necessário promover maior integração entre as diferentes fontes de energia que produzimos, para que possamos construir uma matriz energética limpa, sustentável e segura.

O mundo sai mais pobre desta pandemia e vai precisar de energia abundante e barata

A ideia deste artigo, como muitos devem estar pensando, não é ser conservador defendendo as energias fósseis, mas mostrar que a transição energética vai, sim, ocorrer, mas numa velocidade menor, sempre levando em conta a situação social de cada país.

Em 2020 fomos atingidos por um inimigo invisível que adiou projetos e, o pior, levou vidas. Nada mais normal que 2020 tenha sido o ano da aceleração de mudanças, do movimento da transição energética e de uma maior preocupação com as mudanças climáticas. Foi o ano do acrônimo ESG. Entretanto, também foi o ano da pandemia da hipocrisia. Não podemos e não devemos permitir que esta pandemia contagie a sociedade com ideias açodadas em relação a mudanças, que virão no seu tempo. Enquanto isso, vamos trabalhar para a volta da boa normalidade. Feliz e normal ano de 2021, com a chegada de muitas vacinas. Afinal, ciência não tem pátria.

Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie)

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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