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Americanas: Fornecedores começam a suspender entregas à empresa ou cobrar à vista

Após chegar ao mercado, a crise aberta pela descoberta de “inconsistências contábeis” da ordem de R$ 20 bilhões nos balanços de 2022 e anos anteriores da Americanas alcança o operacional da varejista, com uma parcela de seus fornecedores suspendendo vendas à companhia ou exigindo pagamento à vista para manter a entrega de mercadorias, segundo empresas ouvidas pelo GLOBO.

Com os efeitos da crise no dia a dia da Americanas, fontes próximas ao grupo avaliam que a varejista está cada vez mais perto de um pedido de recuperação judicial. A empresa diz que segue empenhada em negociar com seus credores um acordo satisfatório para todos.

Na terça-feira, anunciou a contratação de Camille Loyo Faria como diretora Financeira e de Relações com Investidores. Ela conduziu a parte final do processo de recuperação judicial da Oi. O Basílio Advogados, que faz a defesa da Americanas na Justiça, também atuou na reestruturação da tele.

Na Justiça, aumenta a ofensiva dos bancos credores para cobrar dívidas da empresa, que concentra esforços em evitar a saída de recursos de seu caixa.

BTG e Americanas travaram mais uma batalha de acusações em petições nesta terça-feira. Desde o dia 11, quando o rombo foi revelado, os papéis da Americanas acumulam queda de 84,16%, tendo fechado ontem em R$ 1,90.

Além da rede com 3.600 lojas no país, a Americanas mantém um marketplace com perto de 150 mil vendedores cadastrados.

A relação com os fabricantes de eletroeletrônicos está paralisada desde quinta-feira passada, um dia após o início da crise. A dificuldade de negociação com a indústria foi antecipada pelo Valor Econômico. Um executivo de uma grande rede de eletroeletrônicos conta que o clima entre fornecedores é de parada.

Na ausência de uma sinalização de aporte pelo trio da 3G Capital — Jorge Paulo Lemman, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, acionistas de referência da Americanas, com 31,1% das ações —, muitas empresas resolveram parar de entregar mercadorias e esperar.

Trava nos bancos
Conforme passam os dias, o valor do aporte necessário para socorrer o caixa da Americanas parece subir, nas contas do mercado. A estimativa já varia entre R$ 6 bilhões e R$ 15 bilhões, segundo dados compartilhados entre fornecedores. Mas bateria em até R$ 21 bilhões segundo cálculos da XP Investimentos.

Outra trava a alguns fornecedores é que, grandes fabricantes de produtos vendidos pela Americanas não conseguem mais obter linhas de crédito junto aos bancos para antecipar recursos de pagamento por vendas feitas à companhia. Sem o banco garantindo o pagamento da dívida, diz um empresário, o risco recai sobre quem vende para a Americanas, “e isso impacta diretamente os maiores fornecedores”.

De acordo com o presidente de um desses fabricantes de grande porte, a Americanas costuma pagar por artigos adquiridos num prazo de 60 a 90 dias após os produtos chegarem a seus estoques. Nesse intervalo, é comum a negociação dos recebíveis com bancos. Agora, quando se trata de Americanas, essa operação está sendo recusada.

Neste cenário, já há empresas suspendendo vendas para a varejista.

O líder de uma empresa de celulares interrompeu tanto vendas pelo marketplace da Americanas quanto para revenda diretamente pela varejista até “termos mais clareza” do desfecho da situação. Até a semana passada, ele fornecia para a varejista por dois modelos: o chamado “1P”, no qual a Americanas é a revendedora de seus produtos, e o “3P”, pelo qual o fabricante vende seus produtos ao consumidor por meio do marketplace da varejista, mas fatura diretamente. No entanto, o repasse do pagamento é feito pela Americanas.

Prazo esticado
Em geral, fornecedores explicam que a Americanas costuma esticar ao máximo o prazo de pagamento, condição que é aceita pelos vendedores diante da escala da varejista no mercado.

Agora, diante da incerteza trazida pela crise nas finanças da empresa, alguns fornecedores temem não receber o pagamento em aberto no prazo combinado. Com isso, decidiram só voltar a fornecer produtos quando esses débitos forem quitados.

Os 30 dias de proteção contra vencimentos de dívidas obtidos pela Americanas na Justiça, conta um executivo, indicam que a empresa pode entrar em recuperação judicial. Ele avalia essa possibilidade como “péssima” para os fornecedores porque a dívida passa a ter um desconto enorme e o pagamento pode ser feito em anos.

Entre os fornecedores que mantêm entregas à Americanas há os que, no lugar do pagamento em até 90 dias, passaram a pedir o valor à vista, prática pouco comum no varejo, de acordo com executivos ouvidos pelo GLOBO.

O maior impacto será visto na indústria de chocolates, um dos principais itens vendidos nas lojas físicas da Americanas, já que a de eletrodomésticos é mais pulverizada, contando com outros grandes revendedores, como Magazine Luiza, Mercado Livre e Via (dona de Casas Bahia e Ponto).

Segundo Ulysses Reis, professor de varejo da FGV, a desconfiança pode levar mais fornecedores a pedirem pagamentos à vista, em menores prazos ou até mesmo com valores mais altos para compensar o risco atual:

— Quanto maior o valor do pedido a ser entregue à Americanas e o prazo de pagamento ao fornecedor, maior a desconfiança.

Outro efeito em série, continua ele, é que se o abastecimento vindo de fornecedores encolher, poderá faltar produtos nas prateleiras:

— No varejo existe um termo para isso: custo de oportunidade. O consumidor vai uma vez buscar o que quer, se não encontrar e isso se repetir, ele desiste.

Rede mantém pagamentos
Mesmo no marketplace, onde os interessados se cadastram para vender seus produtos, que são faturados diretamente a clientes da Americanas, o movimento mudou.

O diretor de uma fornecedora do setor de vestuário afirma não ter vendas computadas pelo canal desde quinta-feira. O executivo diz que “dois dias sem vender pode acontecer, mas não é comum”.

Procurada, a Americanas afirmou que com sua atual posição de caixa, “seguirá pagando seus compromissos e obrigações com fornecedores criteriosamente”.

A varejista frisou ainda que sua operação gera valor e é um dos mais importantes canais de distribuição para centenas de fornecedores no país. Acrescentou que, com “forte relação de colaboração desenvolvida com parceiros e fornecedores ao longo de mais de 90 anos”, continuará a atender a seus mais de 53 milhões de clientes.

Autor/Veículo: O Globo
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