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As metas de inflação deveriam ter sido revistas

* Claudio Ailson Gonçales - No artigo de 7/2/22 (Estado, B2) argumentei que era conveniente rever as metas de inflação para patamares mais factíveis, seja pelas características específicas do Brasil, seja pelo cenário que se vislumbrava para a inflação global. Para tanto, seria necessário alterar o Decreto n.º 3.088/1999, para permitir que o Conselho Monetário Nacional (CMN) pudesse efetuar as alterações, inclusive para 2023. Infelizmente, isso não ocorreu e o CMN, na última quinta-feira, sacramentou as atuais metas.

Jamais fui adepto da tese de que “um pouco mais de inflação ajuda o crescimento”. Sabemos os muitos efeitos deletérios dos processos inflacionários, entre os quais se destacam: incentivo à indexação, o que reduz a eficácia da política monetária, ou seja, aumenta a taxa de juros de equilíbrio; redução do horizonte de planejamento dos agentes econômicos, com efeitos negativos sobre o investimento e sobre a produtividade; e aumento da desigualdade, dado que as pessoas de renda mais baixa possuem menos instrumentos para se defenderem da corrosão inflacionária.

No entanto, o descumprimento frequente das metas reduz a credibilidade da autoridade monetária, tornando mais custoso reverter os processos inflacionários. Além disso, modelos estatísticos robustos mostram que as expectativas são mais influenciadas pela inflação passada do que pelas metas.

Concordo com o economista Aluísio Araújo (FGV): nossa fragilidade fiscal não é compatível com a convergência da inflação para o patamar de 3% ao ano. E a partir de 2023 deveremos ter expansão do gasto público, dadas as pressões acumuladas, tais como o longo congelamento dos salários dos servidores e a severa restrição promovida pelo teto de gastos para as despesas discricionárias. Do lado da receita, as renúncias fiscais eleitoreiras cobrarão seu preço.

Nos Estados Unidos, há fatores estruturais, principalmente ligados ao mercado de trabalho, que muito provavelmente não permitirão que a inflação fique muito abaixo de 3% nos próximos dois anos, apesar do aperto da política monetária a que o banco central norte-americano (Fed) já deu início.

Dadas a fragilidade fiscal brasileira, a elevada inércia inflacionária decorrente de nossa indexação crônica e os fatores externos, o Banco Central, no cumprimento de seu principal mandato, que é a estabilidade de preços, terá de manter a economia operando bem abaixo do pleno-emprego por período prolongado, o que gera efeitos negativos para o crescimento de longo prazo, em virtude da chamada histerese (destruição de capital físico e humano), reconhecida internacionalmente, mas pouco discutida aqui no Brasil.

Isso também é ruim para a política fiscal, dado que, em períodos de vacas magras, os grupos econômicos com maior poder de pressão em Brasília vão pedir, e provavelmente conseguirão, benesses à custa do erário. •
* Economista e diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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