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Banco Central cobra 'transparência' na política fiscal e alerta para juros

Divulgada ontem, a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reforçou que o colegiado continuará subindo os juros no seu próximo encontro, em novembro, mas sem adiantar se será mantido o ritmo de alta de 0,25 ponto porcentual ou se poderá ir a 0,50 ponto. O mais importante do texto, contudo, foram os recados dados em relação à política fiscal.

Segundo o BC, a política fiscal no governo Lula está “expansionista”, e isso tem dificultado o trabalho de controle da inflação. Além disso, num tom mais duro até então sobre as contas públicas, o BC cobrou “regras previsíveis” e disse que “transparência nos resultados” são elementos fundamentais para o controle das expectativas. Na última semana, o BC subiu a Selic de 10,5% para 10,75% de forma unânime, e o mercado já prevê alta de 0,50 ponto em novembro (mais informações na pág. B2).

“Uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados, em conjunto com a persecução de estratégias fiscais que sinalizem e reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos próximos anos, são importantes elementos para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de riscos dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”, diz a ata.

Nas últimas semanas, vêm crescendo no mercado as críticas sobre a condução da política fiscal. Dois projetos elaborados pelo Ministério de Minas e Energia (MME), mas que contaram com a assinatura do Ministério da Fazenda, chamaram atenção.

Um deles tentava aumentar os gastos com o Auxílio Gás, mas por meio de uma triangulação envolvendo a Caixa, sem que essa despesa entrasse no Orçamento. Além disso, foram concedidos benefícios fiscais para um projeto de navios-tanque, com depreciação acelerada, mas sem as devidas contrapartidas. A medida foi suspensa pelo TCU.

RISCOS. O BC também afirmou que há risco de aumento dos chamados juros neutros da economia – taxa Selic que não tem efeito sobre a inflação – em caso de “esmorecimento” de reformas e da disciplina fiscal. “O comitê reforçou a visão de que o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre o custo de desinflação em termos de atividade.” O BC, por outro lado, também apontou que “incorpora em seus cenários” a desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos, em um sinal de apoio à equipe econômica.

A reunião deste mês foi a primeira após a indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do banco, a partir de 2025. Atualmente, ele ocupa a diretoria de Política Monetária. Seu voto, assim como os dos outros três diretores já indicados por Lula, foram iguais aos dos cinco diretores herdados do governo Bolsonaro, incluindo o atual presidente da autarquia, Roberto Campos Neto. •

Na ata divulgada ontem, o Banco Central explicou que todos os membros do Copom votaram para que o aumento dos juros tivesse início com uma alta de 0,25 ponto. Por isso, a Selic subiu de 10,5% para 10,75% na reunião da semana passada. Para frente, no entanto, os membros do colegiado preferiram não dar “indicação futura”.

“Em virtude das incertezas envolvidas, o comitê preferiu uma comunicação que reforça a importância do acompanhamento dos cenários ao longo do tempo, sem conferir indicação futura de seus próximos passos, insistindo, entretanto, no seu firme compromisso de convergência da inflação à meta”, afirma o texto.

No mercado, porém, a avaliação de que a ata manteve um tom duro reforçou as apostas de que a taxa básica de juros deverá aumentar 0,50 ponto porcentual na próxima reunião do Copom, em novembro. Essa leitura é compartilhada por analistas de instituições como Itaú Unibanco, XP, C6 e Goldman Sachs.

“O Copom está bem ciente dos crescentes desafios relacionados à inflação: projeções de inflação mais altas e um balanço de riscos agora inclinado para a alta”, escreveu em relatório o diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, que vê como “bastante provável” um aperto ainda maior da política monetária.

“Em virtude das incertezas envolvidas, o comitê preferiu uma comunicação que reforça a importância do acompanhamento dos cenários ao longo do tempo, sem conferir indicação futura”

Trecho da ata do Copom

Também em relatório, o C6 afirmou que, “a julgar pelas projeções de inflação do BC e pelo tom duro do comunicado (divulgado logo depois da reunião do Copom, na semana passada) e da ata”, os próximos passos devem ser de uma elevação mais intensa dos juros. “Acreditamos que o BC deve subir a taxa de juros em 50 pontos-base (0,50 ponto porcentual) nas próximas duas reuniões do ano.”

Já o time de analistas da XP chamou a atenção para trecho da ata mostrando uma deterioração da composição da inflação corrente. “Por um lado, o Copom mencionou o fim do processo desinflacionário de bens e alimentos, refletindo a depreciação do câmbio e as condições climáticas adversas. A inflação de serviços, por outro lado, ‘desempenha um papel importante na dinâmica desinflacionária no estágio atual’, mas em um contexto de atividade econômica dinâmica, a convergência da inflação para a meta é ‘mais desafiadora’”, escreveu.

IPCA. O Copom reconheceu no texto que, embora espere uma trajetória de desinflação, as suas projeções continuam indicando que o IPCA permanecerá acima da meta, de 3%, ao longo de todo o horizonte relevante para a política monetária.

O colegiado espera que o IPCA atinja 3,5% no acumulado de 12 meses até março de 2026, considerando a trajetória de juros embutida no Focus (até 13 de setembro) e uma taxa de câmbio que parte de R$ 5,60 e evolui conforme a Paridade do Poder de Compra (PPC), o chamado “cenário de referência”. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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