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Carreiras de Estado não terão redução de jornada e salário

A reforma administrativa proposta pelo governo prevê que o presidente da República altere a estrutura do Poder Executivo e até declare extintos alguns órgãos e ministérios sem a necessidade de aval prévio do Congresso Nacional. A proposta foi antecipada pelo Estadão/Broadcast em outubro do ano passado.

Se a medida for aprovada, o presidente poderá unilateralmente mexer em ministérios, fundações e autarquias do Executivo sem necessidade de consultar os parlamentares, desde que não haja aumento de despesa.

Segundo o Ministério da Economia, “há pouca autonomia na reorganização de cargos e órgãos” e “o processo é complexo e moroso” em caso de necessidades urgentes. O objetivo, segundo a pasta, seria dar maior agilidade na adequação de estruturas e cargos.

Pela proposta, o presidente da República poderá extinguir cargos (efetivos ou comissionados), funções e gratificações, reorganizar autarquias e fundações, transformar cargos (quando vagos) desde que mantida a mesma natureza do vínculo, reorganizar atribuições de cargos do Poder Executivo e extinguir órgãos.

Hoje, o governo precisa do aval do Congresso Nacional para criar, reorganizar ou extinguir órgãos e ministérios. Para dar agilidade ao processo, geralmente é editada uma medida provisória, que tem vigência imediata, mas precisa ser votada em até 120 dias.

Foi assim que o presidente Jair Bolsonaro enxugou o número de ministérios de 29 para 22 no início de sua gestão. No entanto, em meio à falta de articulação política, o governo quase viu algumas dessas pastas serem recriadas pelos parlamentares.

Houve ainda uma queda de braço entre governo e Congresso pelo endereço do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência que atua no combate à lavagem de dinheiro. O Coaf era ligado ao Ministério da Fazenda, mas o ex-ministro da Justiça Sergio Moro reivindicava que ficasse sob sua alçada para fortalecer investigações, inclusive as da Lava Jato. O Congresso, porém, devolveu o órgão ao Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Hoje, é a lei que dispõe sobre a quantidade de ministérios, suas atribuições, estrutura básica e principais cargos. É na estrutura básica que são definidas as secretarias, conselhos e outras unidades e repartições ligadas à pasta. Apenas os detalhes da estrutura regimental interna do ministério podem ser regulados via decreto.

“Esse tipo de coisa (extinção de órgãos sem aval do Legislativo) seria desastrosa para a administração pública. Produziria uma instabilidade muito grande e daria espaço para um governante arbitrário tomar decisões perigosas para o Estado e a sociedade brasileira”, disse o cientista político e coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Varga (FGV), Cláudio Couto. “Às vezes é um ‘bode na sala’: aquela coisa que se coloca para chamar a atenção, para que todo mundo reclame dela e que passe o resto.”

Para a professora permanente da Escola de Administração de Empresas da FGV/SP Regina Pacheco, o Congresso não vai dar esse poder ao presidente. “Não acho razoável, inclusive.”

Carreiras típicas. Ela criticou também a falta de uma definição sobre a composição das chamadas carreiras típicas de Estado – questão que ficou em aberto na proposta do governo. Em sua análise, o governo pode ter evitado “comprar essa briga” na PEC, mas “abre um flanco” que pode colocar tudo do avesso.

Regina lembra que a regulamentação sobre carreiras de Estado é discutida há 20 anos, desde a aprovação da última reforma do funcionalismo, em 1998. “Isso é armadilha, se não for resolvido, a proposta despenca”, disse. Isso porque há muita pressão do funcionalismo, com diversas categorias se autodenominando carreiras de Estado, diz ela, que estava na equipe de Bresser-Pereira, ministro da Administração e Reforma do Estado em 1998.

Texto blinda ‘elite’ de redução de salários
ervidores de carreiras típicas de Estado ficarão blindados de qualquer eventual medida de redução de jornada e salários adotada pelo governo, prevê o texto da reforma administrativa encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional. O artigo, como mostrou o Estadão/Broadcast, foi incluído na noite de quarta-feira, em meio aos ajustes finais no texto conduzidos pela equipe econômica junto ao Palácio do Planalto.

A proteção a essas carreiras inclusive foi anunciada pela Secretaria-Geral da Presidência em texto enviado na própria quarta-feira à imprensa, mas ficou de fora da apresentação da reforma administrativa feita ontem cedo pelo Ministério da Economia. O esclarecimento da Economia foi feito após questionamentos dos jornalistas.

“Esta vedação da redução de remuneração e jornada para os cargos típicos de Estado está mantida na proposta”, diz a pasta na resposta.

As carreiras típicas de Estado são aquelas que exercem funções essenciais da administração pública e que não encontram paralelo no setor privado. A reforma prevê fixar a lista dessas carreiras numa lei complementar. Hoje, o rol inclui diplomatas e auditores fiscais, entre outros.

Gastos. A redução de jornada e salário, por sua vez, é um plano da equipe econômica para ajudar na contenção de gastos com pessoal e na manutenção do teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu no sentido de que hoje não há respaldo constitucional para redução proporcional de salário e jornada. É por isso que o governo pretende incluir essa possibilidade na Constituição por meio das PECs Emergencial e do Pacto Federativo, paradas no Senado. A adoção da redução seria opcional, conforme a necessidade fiscal da administração.

A medida enfrenta resistência de categorias de servidores públicos, principalmente daquelas pertencentes às carreiras típicas de Estado, consideradas parte da “elite” do funcionalismo e que têm poder de pressão junto ao Congresso.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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