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Com aumento da gasolina, brasileiros gastam quase o dobro para percorrer o mesmo trajeto

O preço da gasolina vendida ao consumidor subiu 84,1% nos últimos cinco anos. Na cidade de São Paulo, a mais populosa do País, o valor médio do litro passou de R$ 3,40 em outubro de 2016 para R$ 6,26 em outubro de 2021. No mesmo período, o salário mínimo foi reajustado em 25% e a inflação acumulada (IPCA) é de 27%.

Para se ter uma ideia, em 2016 era possível viajar da Praça da Sé, em São Paulo, até a Praia do Boqueirão, em Santos, gastando pouco menos de R$ 20 em gasolina para um trajeto de 80 quilômetros. Hoje, se o consumidor abastecer o carro com o mesmo valor, irá chegar a Capivari, bairro da zona rural de São Bernardo do Campo, rodando pouco mais de 43 quilômetros. Para fazer a mesma viagem até Santos, o motorista gasta hoje cerca de R$ 36.

O principal aumento aconteceu nos últimos 12 meses. O valor médio do litro da gasolina na cidade de São Paulo passou de R$ 4,23 em outubro de 2020 para R$ 6,26 no mesmo mês de 2021 — um aumento de 48%. Nesse período, a inflação acumulada é de 11,62%.

Em outros municípios, o valor da gasolina é ainda mais alto. Bagé, no Rio Grande do Sul, tem a gasolina mais cara do País. O litro do combustível custa em média R$ 7,99 na cidade, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

As razões para o forte aumento, segundo especialistas, são a valorização do barril de petróleo e a depreciação do real frente ao dólar. O preço do barril do petróleo tipo Brent passou de US$ 37 em outubro do ano passado para US$ 84 no mesmo mês deste ano. Já o valor do dólar disparou no início da pandemia e se manteve em alta, ficando na casa dos R$ 5,60 em outubro. Em 2019, a moeda americana valia cerca de R$ 4.

No trajeto de São Paulo a Santos, o aumento no preço do combustível entre 2020 e 2021 encurta a viagem em 20 quilômetros. Essa é a distância entre o bairro da Lapa e a Vila da Saúde, na capital paulista.

O reajuste no preço da gasolina está longe de acompanhar o aumento da renda das famílias. O tanque de um carro popular comporta aproximadamente 50 litros de gasolina, o suficiente para rodar cerca de 700 quilômetros na estrada. Em 2016, os paulistanos gastavam cerca de 19% do salário mínimo para abastecer por completo o veículo. Neste ano, é preciso desembolsar 27% do salário mínimo para conseguir encher o tanque do carro.

Além da gasolina, o diesel, combustível usado principalmente por caminhões, também aumentou bem acima da inflação no período. Em outubro de 2016, o litro era vendido a R$ 2,90 na capital paulista. No mesmo mês de 2021, o preço subiu para R$ 5,20, um aumento de 79,3%.

Para motoristas, aumento nos combustíveis afeta o faturamento

Quem trabalha como motorista sente ainda mais o aumento do preço dos combustíveis. É o caso de Marcelo Santos, de 30 anos, que está na área de transporte executivo desde 2017. Ele mora na cidade de Pedreira, na região de Campinas, e costuma fazer viagens entre o município e o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Quando começou, há quatro anos, gastava cerca de R$ 80 em combustível para fazer o trajeto completo, ida e volta. Hoje, gasta entre R$ 140 e R$ 150.

O profissional conta que tem conversado com outros motoristas para saber qual solução os colegas estão adotando para diminuir o impacto do aumento dos combustíveis. "Está realmente difícil me manter assim", diz, acrescentando que não pode repassar todo o aumento no custo para os clientes para não perdê-los. De 2017 para cá, o preço dos seus serviços aumentou cerca de 25%. "Minha empresa é muito pequena e cada centavo faz diferença."

Santos diz que não deixa o preço do combustível afetar a qualidade do serviço prestado, mas precisa reduzir um pouco o seu padrão de vida para equilibrar as contas. "A gente corta um pouco o lazer e alguns 'mimos'", conta. Ele, por exemplo, deixou de comprar produtos de marca superior no supermercado e diminuiu a frequência com que vai a bares e restaurantes.

Petróleo e dólar em alta estão por trás do aumento nos preços

O valor do combustível vendido pela Petrobras nas refinarias é a base para o cálculo do preço final, aquele que o consumidor paga no posto. É a partir dele que são calculados os impostos que incidem sobre o produto, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cobrado pelos Estados. De 2016 para cá, o preço da Petrobras mais que dobrou.

A gasolina vendida nos postos é uma mistura entre a gasolina tipo A vendida pela Petrobras e o etanol anidro. Além dos preços dessas substâncias, o valor final é composto por quatro impostos: Cide, Cofins, PIS/PASEP e ICMS. Já o diesel que abastece veículos é derivado da combinação do diesel tipo A vendido pela Petrobras e biodiesel. Os mesmos impostos que incidem sobre a gasolina também incidem sobre o diesel.

Até 2016, a Petrobras não tinha uma regra específica para reajustar o preço dos combustíveis. Em outubro daquele ano, o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, anunciou uma nova política de preços que passou a ser pautada pela variação do valor do barril de petróleo no mercado internacional e dos custos logísticos da operação.

"A lógica é criar uma paridade com o preço importado. Toda vez que o preço de importação cresce, a Petrobras acompanha o crescimento", explica Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).

Até o fim de 2017, essa política não provocou grandes alterações no preço dos combustíveis. O primeiro salto aconteceu no início de 2018 e culminou na greve dos caminhoneiros em maio daquele ano.

Em 2021, dois fatores fizeram o preço dos combustíveis explodir. Com a redução do número de casos de covid-19 e a retomada do consumo, o valor do barril de petróleo chegou a US$ 84, o mais alto dos últimos sete anos. O câmbio também não ajuda: o dólar está acima dos R$ 5 desde o início da pandemia. "Passamos a viver uma volatilidade gigantesca. Os preços variam muito", diz Leão.

Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), explica que o preço do barril de petróleo é definido pela lei da oferta e procura. "A oferta está voltando em velocidade mais lenta que a demanda. Para que não falte produto, aumenta-se o preço", diz.

Pires acredita que a estatal do petróleo acertou ao adotar a atual política de preços. "Se a Petrobras tivesse mantido a política anterior, que deu um rombo bilionário no caixa da empresa, teríamos gasolina mais barata e a Petrobras quebrada. A Petrobras não estaria produzindo tudo o que produz hoje", aponta.

Os especialistas citam algumas soluções para evitar variações muito bruscas da gasolina, como agora, e proteger o bolso dos brasileiros. Tanto Pires, do CBIE, quanto Leão, do Ineep, falam em criar um fundo de estabilização dos preços. Nesse modelo, o fundo poderia ser usado para o governo subsidiar parte do valor do combustível, sem prejudicar o consumidor nem os acionistas da Petrobras.

Leão sugere também que o governo diminua a alíquota dos impostos à medida que o preço do combustível aumenta, estratégia adotada por outros países. O especialista também critica o governo federal por ser "omisso" no assunto. "O preço do barril desabou na pandemia, chegando a US$ 16. Todo mundo sabia que iria explodir quando a pandemia passasse", diz. Ele fala que o governo deveria ter enchido o estoque nesse momento de preços baixos para amortecer o impacto do aumento que estava por vir. "O governo demonstra um completo despreparo e continua passivo", diz.

Em nota, a Petrobras disse que a comparação entre 2016 e 2021 "revela cenários bem distintos". A companhia alegou que "em outubro de 2016 o barril de petróleo era cotado em torno de US$ 50, enquanto hoje está sendo cotado acima de US$ 80". Ressaltou ainda que o dólar passou de R$ 3,20 para R$ 5,40. "Dessa forma, no cálculo em reais, o barril de petróleo custava cerca de R$ 1 por litro em outubro de 2016 e hoje custa acima de R$ 2,70 por litro", disse.

Por fim, a empresa falou que os impostos sobre os combustíveis "crescem de forma passiva, apenas pelo ajuste no preço". Enquanto isso, disse, a parcela da Petrobras é impactada pela variação do dólar e da cotação internacional do barril de petróleo.

Autor/Veículo: O Estado de S. Paulo
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