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Como acordo Bolívia-Argentina afeta mercado de gás natural no Brasil

A Bolívia aumentou as exportações de gás natural à Argentina este mês e iniciou, nas últimas semanas, um corte parcial no fornecimento ao Brasil, para fazer frente aos novos compromissos com Buenos Aires.

A expectativa é que a redução da oferta de gás boliviano chegue a cerca de 6 milhões de metros cúbicos diários (m³/dia) — o que levou a Petrobras a recuar, esta semana, nas negociações sobre os novos termos dos contratos de suprimento às distribuidoras estaduais de gás canalizado.

Em paralelo, o governo boliviano quer renegociar os termos do contrato com o Brasil — o que traz novas incertezas para o mercado brasileiro sobre as condições de importação.

Com uma capacidade de oferta insuficiente para atender ao mesmo tempo as demandas argentina e brasileira, os bolivianos optaram por reduzir os volumes entregues à Petrobras, em busca de preços melhores.

A restrição tende a forçar a estatal brasileira a aumentar as importações de gás natural liquefeito (GNL), num momento em que a companhia toma prejuízos com a importação do produto.

Bolívia e Argentina se alinham em relação ganha-ganha

Os bolivianos aumentaram as exportações de gás à Argentina, a partir deste mês, para 14 milhões de m³/dia — ante o patamar anterior, de 8 milhões a 10 milhões de m³/dia. O acordo foi celebrado em abril e é válido pelo período entre maio e setembro.

Para a Argentina, recorrer ao gás boliviano foi uma alternativa aos elevados preços do GNL no mercado internacional — situação agravada pelos efeitos da guerra na Ucrânia.

O país precisava garantir com urgência volumes de gás para atender à demanda por calefação durante o inverno. A economia estimada pelo governo argentino de Alberto Fernández, com o acordo com a Bolívia, é de US$ 769 milhões — o equivalente à importação de 14 navios de GNL.

A Bolívia tem mantido relações próximas com a Argentina — país onde o ex-presidente boliviano, Evo Morales, se asilou em 2019, após renunciar em meio à escalada de tensões com opositores. Em 2020, ele regressou ao país de origem, depois de confirmada a vitória do socialista Luis Arce, ex-ministro de Evo, nas urnas.

O alinhamento entre Fernández e Arce contrasta com o distanciamento diplomático assumido pelo governo de Jair Bolsonaro com os dois países vizinhos.

De acordo com um executivo argentino, as conversas com a Bolívia foram feitas de maneira discreta para evitar problemas com o governo brasileiro.

“A Bolívia não tem gás suficiente para cumprir os dois contratos. Por questões políticas, resolveu privilegiar a Argentina”, disse a fonte. “Havia uma expectativa de que a Bolívia conseguisse aumentar a produção nos próximos meses. Eles estavam muito otimistas em relação a algumas descobertas, mas as previsões não se confirmaram”, completou.

Para a Bolívia, o acordo com o governo de Fernández significa uma receita extra, já que os argentinos pagarão, pela cota adicional, praticamente o dobro do que o Brasil paga pelo gás boliviano.

O governo de Luis Arce estima que o contrato com os argentinos significarão um ingresso de US$ 100 milhões a mais nos cofres do país, entre maio e setembro.

Pelos termos do acordo entre os dois países, segundo o governo argentino, a Bolívia se comprometeu a exportar 14 milhões de m³/dia e a priorizar o fornecimento aos argentinos de volumes adicionais de 4 milhões de m³/dia, para até 18 milhões de m³/dia, a depender da disponibilidade.

O governo boliviano informou que o preço pago pela Argentina pela cota extra de gás atingiu, este mês, um patamar de US$ 20 o milhão de BTU. Pelos volumes usualmente contratados, de até 10 milhões de m³/dia, os argentinos seguem pagando entre US$ 7 e US$ 9 o milhão de BTU.

Menos gás para o Brasil

Como tem uma produção limitada, a Bolívia dá sinais de que pretende cortar parte do fornecimento ao Brasil, para fazer frente ao novo compromisso com os argentinos.

De acordo com dados da ANP, a entrega de gás no ponto de recebimento de Corumbá (MS), no início do trecho brasileiro do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), já caiu para cerca de 15 milhões de m³/dia na média de maio — patamar próximo à cláusula de take-or-pay (volume mínimo de gás que deve ser retirado, para não pagamento de penalidades), de 14 milhões de m³/dia.

Para efeitos de comparação, no primeiro bimestre a entrega de gás em Corumbá ficou próxima do limite que a Petrobras tem direito a retirar, de 20 milhões de m³/dia. Desde então, esse volume tem caído mês a mês.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) esclareceu que o governo tem acompanhado a importação de gás natural da Bolívia pela Petrobras e que a redução de volume observada tem sido compensada pela estatal com gás proveniente de outras fontes, sem qualquer impacto ao atendimento da demanda nacional.

Em 2020, Petrobras e a estatal boliviana YPFB fecharam um aditivo para extensão do contrato de importação de gás do país vizinho. A brasileira se comprometeu, na ocasião, a retirar entre 14 milhões e 20 milhões de m³ /dia.

A Bolívia, contudo, quer rever as condições do contrato — assinado durante o governo interino de Jeanine Áñez, após a renúncia de Evo Morales.

O atual governo de Luís Arce considera os termos do acordo com a Petrobras desvantajosos para a Bolívia, que estima perdas de US$ 60 milhões a US$ 80 milhões por ano ao país.

A expectativa entre os bolivianos é que as negociações sobre os preços do gás sejam concluídas em 2023.

Procurada, a Petrobras informou que está tomando as “medidas cabíveis visando o cumprimento do contrato pela YPFB”. A estatal brasileira afirmou que vem recebendo, em maio, volumes inferiores aos solicitados no contrato firmado com a YPFB, o que vem impactando o planejamento operacional da companhia. Segundo a empresa, a redução da ordem de 30% não estava prevista e demanda a importação de volumes adicionais de GNL para atendimento aos compromissos de fornecimento da estatal.

Petrobras recua

Diante das dificuldades de importar da Bolívia, a Petrobras decidiu, esta semana, retirar da mesa a proposta apresentada às distribuidoras dos estados que travam com ela uma disputa na Justiça em torno dos preços do gás.

Em reunião realizada na segunda-feira (16/5), com a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) e as concessionárias do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Alagoas, Minas Gerais, Ceará, Sergipe e Espírito Santo, a Petrobras informou que terá de aumentar a indexação do preço do gás ao petróleo para 2022, devido aos problemas com a importação da Bolívia.

A notícia pegou de surpresa os dirigentes das distribuidoras. A maioria estava em negociações adiantadas com a petroleira e esperava fechar o acordo em junho.

Relembre: Na virada do ano, a Petrobras aumentou a indexação do preço do gás em relação ao petróleo, de 12% para 16,75% do barril do tipo Brent. Os acordos foram assinados, na ocasião, com validade de quatro anos. Após a judicialização desses contratos em alguns estados, a estatal abriu negociações com as concessionárias e, nas últimas semanas, propôs:

  • uma indexação de 12,6% do preço do Brent até dezembro de 2023; e de 12% a partir de janeiro de 2024;
  • contratos com validade de nove anos;
  • e critérios para redução dos volumes contratados junto à estatal ao longo do tempo., para 65% dos patamares iniciais a partir de 2026.

Segundo fontes, os representantes da Petrobras disseram que vão rever os termos, mas sinalizaram que a indexação do gás ao Brent continuará abaixo dos 13% e que o restante da proposta inicial, relativo ao tempo de contrato e à redução da curva de volume, será mantido.

“Eles disseram que estão recebendo menos gás da Bolívia, e que teriam de buscar outros supridores, o que vai encarecer o preço do gás. Não chega a ser uma tragédia para nós, mas é uma notícia ruim”, disse uma fonte do setor de distribuição, sob a condição de anonimato.

Autor/Veículo: Agência EPBR
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