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?É preciso repensar crescimento com mais igualdade', diz ex-presidente da Fiesp

O ex-presidente da Fiesp Horácio Lafer Piva, hoje no Conselho de Administração da Klabin, avalia que o país está diante de uma oportunidade civilizatória e que é preciso repensar a rota do crescimento com mais igualdade de oportunidades aos cidadãos.
O que é necessário para o país retomar o crescimento?
Estou impressionado em como o país está cansado, e como Brasília não entendeu ainda a dimensão da nossa crise, a fragilidade da nossa economia. Estamos passando por momentos interessantes, há uma transformação enorme no que se refere a juros, mas eu tenho a impressão de que estamos vivendo uma certa negação por parte de determinados estratos de Brasília, principalmente no Executivo, e vão cobrar um preço muito alto no futuro por isso.
Qual deve ser a estratégia para sair da crise?
Em primeiro lugar, avançar nas reformas estruturantes. A segunda questão é a da segurança jurídica. A terceira é a ambiental, e tem a ver com isso. A crise agravou os problemas que não estavam resolvidos antes. A conta que nós estamos fazendo agora vai ser paga nos anos que se seguem. Fico muito preocupado quando vejo pautas-bomba andando pelo Congresso. O autoengano do imediatismo é onde vejo o maior problema.

Como o senhor vê o combate à pandemia no país?
A crise mostrou todas as fragilidades que tínhamos, principalmente na questão das iniquidades sociais. Demoramos para abraçar a questão dos testes e das máscaras, principalmente nas periferias. Do ponto de vista da administração federal, o tratamento foi muito ruim. Alguns ministros tentaram manter o discurso um pouco mais alinhado com a ciência, mas tinham no presidente uma manifestação no sentido inverso. Ficamos perdidos. Como tudo no país hoje, houve polarização.

Como vê as discussões sobre flexibilizar o teto de gastos?
Faço parte da turma que acha que o teto de gastos precisa ser respeitado. Tenho muito medo de políticas provisórias que se tornam permanentes. E tenho enorme preocupação com o fato de que algumas atitudes começam a ganhar cor eleitoral.

Quais?
O auxílio emergencial é uma delas. Se você ficar com promessas que se estendem ao ano, e muitas vezes à própria pandemia, não sei onde vamos parar. A crise vai ser severa, vai ser longa. Vamos sair mais empobrecidos, nem todas as empresas e empregos vão sobreviver. O Brasil não vai ser o mesmo. É preciso repensar a rota do crescimento com mais igualdade de oportunidades aos cidadãos. Tem aí uma oportunidade civilizatória.

A reforma administrativa precisa ser aprovada antes, como dizem alguns grandes empresários?
Sim, deveria vir antes, mas ela é mais dolorosa para o governo, que já pensa em reeleição. Vai mexer com pessoas físicas, que vão se mobilizar e criar um enorme barulho. Ela mexe com interesses muito específicos desse nosso Estado inchado. Na realpolitik, ela é mais importante, mas mais difícil de acontecer.

Como o senhor vê a proposta de reforma tributária do governo?
O imposto sobre transação financeira é sobre muito mais coisas. Falam que a alíquota será baixa, de 0,2%. Mas nada diz que você não pode aumentar amanhã. Essa coisa do Brasil de tentar resolver o presente sem se preocupar com o futuro é muito problemática. O meu desejo é uma redução da carga sobre bens e serviços, com redesenho sobre imposto sobre pessoas físicas e jurídicas para criar mais progressividade, é a tributação sobre dividendos, redução de algumas deduções. Mas, para isso, é necessário liderança, estratégia e coordenação, que eu não vejo acontecer. A minha defesa é pela PEC 45.

O setor de serviços é crítico sobre essa proposta, não?
Se ficarmos cada um de nós defendendo um lado, não vamos chegar a lugar algum. Não tem a menor condição de se fazer uma reforma tributária sem perdedor. O ganhador tem que ser o Brasil, o pobre, a competitividade, a produtividade. Eu falo como alguém que provavelmente vai perder também, porque tenho defendido o imposto sobre dividendos e uma taxação mais alta sobre os ricos. É preciso um equilíbrio maior para vencer essa iniquidade brasileira, com uma redistribuição de renda. Não dá para continuar assim.

Autor/Veículo: O Globo
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