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'Entregamos nossas promessas', diz presidente demitido da Petrobras

A Petrobras reverteu no quarto trimestre de 2020 os prejuízos recordes provocados pela pandemia e fechou o ano com lucro de R$ 7,1 bilhões. O resultado foi provocado pela reversão de perdas contábeis no valor de ativos e por ganhos cambiais, que levaram o lucro do quarto trimestre a R$ 59,9 bilhões.

O balanço foi divulgado nesta quarta (24), em meio à crise provocada pela nomeação do general Joaquim Silva e Luna para substituir, no comando da empresa, o economista Roberto Castello Branco, primeiro presidente da estatal sob o governo Jair Bolsonaro.

"Em meio à severa recessão global e aos efeitos de um grande choque na indústria de petróleo, nós prometemos estruturar uma recuperação em 'J'. A meta era sair da crise melhor que antes", afirmou Castello Branco. "Nós entregamos nossas promessas."

O lucro ficou 82,3% abaixo do recorde de R$ 40,1 bilhões registrado em 2019, primeiro ano de Castello Branco à frente da companhia. Mas ficou bem acima das estimativas do mercado, que previam que o lucro do quarto trimestre fosse de R$ 9,9 bilhões, o que representaria um prejuízo anual de cerca de R$ 43 bilhões.

No segundo trimestre de 2020, logo após o início da pandemia, a empresa anunciou uma série de revisões no valor de seus ativos, para adequar a expectativa de receita ao novo cenário de preços do petróleo, que levaram a prejuízo de R$ 48,5 bilhões.

Em três trimestres seguidos de prejuízo no ano passado, a companhia acumulou perdas de R$ 52,8 bilhões. No quarto trimestre, diz a estatal, o lucro foi obtido com reversões de perdas contábeis em ativos no valor de R$ 31 bilhões, de gastos passados do plano de saúde de seus empregados em R$ 13,1 bilhões e com ganhos cambiais de R$ 20 bilhões.

No resultado anual, a queda no lucro é explicada com a queda de 35% do preço do barril do petróleo Brent em dólares, pela revisão no valor de ativos, menores ganhos com desinvestimentos e desvalorização de 31% do real em relação ao dólar.

No texto que acompanha o balanço, Castello Branco comemora como "outra grande conquista" a trajetória de queda do endividamento da empresa, uma das principais metas não só de sua gestão, mas de todas as que assumiram a empresa após a crise provocada pela descoberta do esquema de corrupção investigado pela Operação Lava Jato.

"A forte geração de caixa nos permitiu continuar a desalavancar nosso balanço", afirmou. A dívida bruta, usada como parâmetro pela gestão atual, caiu 5,1% em relação ao trimestre anterior, para US$ 75,5 bilhões. Em reais, a queda foi de 13,8% no período, para R$ 280 bilhões.

Com o desempenho, a empresa propõe distribuição de R$ 10,3 bilhões em dividendos a seus acionistas. Segundo Castello Branco, "valor ainda relativamente modesto, mas mais que o dobro do mandatório para o ano contábil de 2020".

"O retorno total para o acionista Petrobras tem sido muito fraco ao longo dos últimos anos", afirmou o executivo, repetindo discurso que tem feito desde o início de sua gestão e que ajudou a lhe garantir apoio de investidores e do conselho de administração da companhia.

O apoio foi demonstrado em reunião do conselho nesta terça (23), quando o colegiado aprovou a convocação de assembleia de acionistas para votar a nomeação de Silva e Luna para o comando da companhia.

Dos 11 membros do colegiado, 3 votaram contra a convocação. Do restante, apenas 6 votaram a favor. Castello Branco não votou, e o conselheiro Nívio Ziviani não participou da reunião por razões de saúde. Os conselheiros avaliam ainda a possibilidade de questionar Bolsonaro por críticas feitas à gestão da estatal.

Em nota distribuída após a reunião, o conselho deu um recado contra tentativas de interferência do governo: afirmou que continuará a zelar com rigor pelos padrões de governança da Petrobras, "inclusive no que diz respeito às políticas de preços de produtos da companhia", principal crítica de Bolsonaro.

“Em linhas muito gerais, o resultado foi bom, bateu nossas expectativas", disse após a divulgação o analista Ilan Arbetman, da Ativa Investimentos. "A companhia se mostrou resiliente mesmo num período onde sua principal atividade foi afetada por paradas.”

POLÍTICA DE PREÇOS
Não há menção à política de preços dos combustíveis no balanço da companhia divulgado nesta quarta. O texto, porém, reforça um dos argumentos usados por Castello Branco para justificar o alinhamento às cotações internacionais: com mais lucro, a Petrobras garante retorno tanto sob a forma de dividendos –a União é a principal acionista– quanto com o pagamento de impostos.

"A Petrobras é a maior pagadora de tributos do Brasil. Diante dos preços baixos do petróleo e da contração da demanda, pagamos R$ 129 bilhões ao governo em 2020, totalizando R$ 375 bilhões nos últimos dois anos", escreveu o executivo.

A companhia afirma, porém,que conseguiu praticar melhores margens na venda de derivados de petróleo no quarto trimestre. A cesta de derivados vendidos pela empresa custou, em média, R$ 269,1 por barril, 4,3% mais cara do que no trimestre anterior, mas 12,8% mais barata do que no terceiro trimestre de 2019, ainda antes da pandemia.

No ano, a receita da Petrobras caiu 10%, em comparação com 2019, para R$ 272 bilhões, reflexo dos menores preços do petróleo e da queda na venda de combustíveis. O Ebitda, indicador que mede a capacidade de geração de caixa de uma companhia, subiu 10,6%, para R$ 143 bilhões.

Apesar da pandemia, a empresa conseguiu manter clientes para o petróleo do pré-sal e de combustível de navegação mesmo nos momentos mais duros da pandemia, fechando o ano com a produção média recorde de 2,84 milhões de barris de óleo e gás por dia.

Na carta de seis páginas que acompanha o balanço, Castello Branco enumera realizações da companhia durante sua gestão, principalmente aquelas focadas em redução de custos e do tamanho da empresa, uma de suas metas.

"Estamos muito orgulhosos do time pela resposta rápida e eficiente à crise do petróleo", afirma. "Nossos funcionários trabalharam incansavelmente para vencer, o pessoal administrativo nas suas casas e o pessoal operacional nas refinarias, plantas e plataformas de petróleo e gás no mar", completou o executivo, que foi criticado por Bolsonaro por trabalhar em home office.

Entre as medidas de gestão citadas por Castello Branco, estão a venda de 550 ativos imobiliários, a adesão de mais de 11 mil funcionários em programas de demissão voluntária, a redução de quase 1,5 mil posições gerenciais e a desocupação de 14 dos 23 prédios administraticos que eram usados pela companhia em 2019.

A forma atabalhoada com que Bolsonaro anunciou a mudança e as críticas à gestão da empresa e sua política de preços derrubaram o valor de mercado da companhia em R$ 102,5 bilhões em apenas dois dias.

Os efeitos se espalharam por outros indicadores da economia, em um sinal de que a intervenção foi um duro golpe na confiança do investidor estrangeiro e provocou novas dúvidas sobre o tamanho do poder que o ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda exerce sobre a política econômica do Brasil.

Autor/Veículo: Folha de S.Paulo
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