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Economistas criticam PEC; 'Se a Bolsa cair, paciência', afirma Lula

O texto da PEC da Transição – que pode resultar em gastos anuais de até R$ 200 bilhões fora do teto por tempo indefinido – e as seguidas declarações do presidente eleito Luiz Inácio da Silva (PT) contra o controle das despesas aumentam a incerteza sobre as contas públicas, avaliam economistas. Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan publicaram artigo no qual criticaram a postura de Lula. Ao lado de Persio Arida, hoje na equipe de transição, eles declararam, em outubro, voto no petista. À época, diziam ter expectativa de “condução responsável da economia”. Ontem, no Egito, Lula defendeu a PEC e questionou novamente a regra fiscal do País. “Vai aumentar o dólar e cair a Bolsa? Paciência”, disse.

Economistas fizeram ontem duras críticas ao texto preliminar da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição enviado ao Congresso Nacional e às falas recentes do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que voltou a criticar o teto de gastos – a regra que limita o crescimento das despesas públicas à inflação.

A leitura dos analistas é de que o texto da PEC da Transição e as declarações do presidente eleito reforçam as incertezas sobre o rumo das contas públicas do País, na medida em que indicam um aumento da dívida pública. Também podem colocar em xeque a previsão de corte da Selic (a taxa básica de juros) em 2023.

O tom crítico partiu também de economistas que, no segundo turno das eleições, declararam apoio ao então candidato petista. “A esmagadora maioria dos economistas que apoiaram o presidente Lula no segundo turno é contra os termos dessa proposta”, afirmou Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz – que foi secretário do Tesouro em 2006, no segundo mandato de Lula.

Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan – que participaram da implantação do Plano Real – criticaram a postura de Lula. Ao lado de Persio Arida, hoje na equipe de transição, os três divulgaram no início de outubro uma nota conjunta em que declararam voto no petista. À época, diziam que a expectativa era de uma “condução responsável da economia”.

“O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social”, escreveram agora Arminio, Bacha e Malan.

Ontem, no Egito, ao participar de um evento promovido na 27.ª Conferência sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, Lula defendeu a PEC da Transição e questionou novamente a regra fiscal do País, sem ainda indicar o que pretende colocar no lugar. “Vai aumentar o dólar e cair a Bolsa? Paciência”, disse (leia mais nesta página). Em declaração dada na quarta-feira, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin afirmou que a discussão sobre uma nova âncora fiscal só terá início em 2023.

FORA DO TETO. Apresentada na noite de quarta-feira ao Congresso, a PEC da Transição exclui o Auxílio Brasil, que será rebatizado de Bolsa Família, do teto de gastos de forma indefinida. A proposta possibilita ainda a ampliação das despesas se houver aumento da receitas. Pelo texto, cerca de R$ 200 bilhões poderiam ficar fora da regra fiscal em 2023.

“Esse pedido de waiver (licença para gastar) parece bastante exagerado. Se fosse para manter R$ 600 (para o Auxílio), poderíamos pensar em R$ 52 bilhões, mas estamos falando em 2% do PIB para um país que está com dívida/PIB bastante alta e juros bastante elevados, colocando o Brasil em uma trajetória insustentável em relação a sua dívida”, disse Solange Srour, economistachefe do banco Credit Suisse.

No mercado financeiro, o texto da PEC foi recebido com bastante pessimismo, porque o montante que será gasto fora do teto veio acima do esperado. Logo depois da eleição de Lula, a expectativa era de um gasto extra pouco superior a R$ 100 bilhões. Na semana passada, o número sinalizado pela equipe de transição subiu para R$ 175 bilhões.

“Com quase R$ 200 bilhões (fora do teto) e sem sinais muito claros de como será administrado o novo regime fiscal, a tendência será de o governo Lula começar mal”, avaliou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

A sessão de ontem do mercado financeiro foi marcada pelo mau humor dos investidores, embora o tom negativo tenha diminuído ao longo do dia. O dólar avançou 0,37%, cotado a R$ 5,40. Na máxima, chegou a R$ 5,52. Já o Ibovespa, principal referência da Bolsa, caiu 0,49%, aos 109.703 pontos. O estresse também ficou evidente no comportamento dos juros futuros, que também subiram com força – indicando que a Selic pode demorar mais para cair ou até subir diante do quadro fiscal incerto.

“A PEC anunciada é ruim. Não é só um waiver. É uma alteração do arcabouço fiscal, sem um ministro (da Fazenda) nomeado, e no meio de um cenário internacional complexo”, diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da Ryo Asset.

DÍVIDA PÚBLICA. Se texto da PEC não for alterado, a Armor Capital avalia que a dívida bruta do País pode chegar a 95% do PIB até 2026. Neste ano, a previsão é de que fique em torno de 77% do PIB. “É uma trajetória de crescimento da dívida muito expressiva nos próximos anos”, diz Andrea Damico, sócia e economista-chefe da Armor Capital.

O Brasil já tem uma dívida elevada para uma economia emergente. Na prática, esse cenário faz com que os investidores aumentem a percepção de risco em relação ao futuro da economia brasileira, o que pode levar a uma saída de recursos do País, com impactos diretos no câmbio, na inflação e, consequentemente, na Selic.

“No médio e no longo prazos, o que o País pode colher é uma situação macroeconômica pior, e esse cenário acaba pesando no colo dos mais vulneráveis”, disse Juliana Damasceno, economista da consultoria Tendências. “Não podemos ter mais inflação e juros se quisermos que o Brasil retome a sua capacidade de crescimento sustentável.”

A expectativa dos analistas é de que a PEC deve “desidratar” ao longo da tramitação no Congresso, o que ajudaria a reduzir o montante de R$ 200 bilhões fora do teto de gastos. “A única esperança parece ser que o bom senso venha do Congresso e adie uma discussão tão complexa e profunda para a próxima legislatura, e não a faça em toque de caixa meramente visando o interesse político, não fundamentado pelo lado técnico”, afirmou Kawall.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo 
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