Notícias

Energia a partir de resíduos está subutilizada

O uso de resíduos sólidos para produção de energia no Brasil, derivados da cana-de-açúcar, de aterros sanitários ou mesmo de dejetos da suinocultura, tem um potencial ainda pouco explorado no País. Sob qualquer ângulo, os números mostram a relevância econômica e ambiental da geração de energia a partir de resíduos. Trata-se de uma fonte limpa, renovável e descentralizada. Acelerar o passo depende, na visão de representantes do setor, do reconhecimento dos atributos ambientais desse tipo de geração, principalmente pelas regras dos leilões de energia. Passo considerado essencial para a atração de investidores.

Apenas em termos de biogás, produto da transformação de resíduos orgânicos que pode ser utilizado na geração de energia elétrica, térmica, mecânica e convertido em biometano, o Brasil tem um potencial para produzir 120 milhões de m³/dia. Segundo a Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), é o equivalente a dobrar a produção de gás natural do País. O volume supriria 40% da demanda por energia elétrica e 70% do consumo nacional de diesel. O setor sucroenergético representa quase 50% do potencial, seguido da cadeia de proteína animal, com 32%.

“Hoje temos várias iniciativas para produção de biogás e energia a partir dele. O maior potencial é na cana-de-açúcar, mas, hoje, a principal contribuição vem dos aterros sanitários, principalmente porque são projetos mais fáceis de instalar”, comenta Tamar Roitman, gerente executivo da Abiogás. Ele atesta que atualmente apenas 2% dos resíduos são utilizados para produzir biogás.

Em números absolutos, o Brasil está produzindo 4 milhões de m³/dia de biogás e, na expectativa da Abiogás, o valor pode chegar a 30 milhões até 2030. “Tem vários projetos anunciados. Só de biometano (combustível derivado do biogás) são mais de 40 plantas anunciadas para os próximos cinco anos. Tem demanda forte por energia limpa, descarbonizada”, afirma Tamar. Do ponto de vista regulatório, explica o líder setorial, é fundamental que as vantagens ambientais do uso do biometano sejam incluídas nos cálculos de precificação apresentados nos leilões de energia.

Pelas regras definidas pela Aneel para leilões de energia nova – destinados à contratação de energia elétrica a ser gerada por novos empreendimentos –, o biogás concorre com a biomassa, o que, na visão da Abiogás, não faz sentido. No último leilão da Aneel, em setembro, lembra Tamar, a energia gerada por biogás concorreu, por exemplo, com carvão. “Não dava para competir, o preço era insuficiente para estimular projetos. São tecnologias diferentes.”

Os dados do potencial do setor apresentados pela Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) também são muito positivos. “O País tem possibilidade de investir até R$ 120 bilhões nos próximos 20 anos em recuperação energética de resíduos, seja por meio de usinas de grelhas móveis que utilizam o resíduo sólido urbano (RSU) para gerar eletricidade, seja por meio do coprocessamento para produzir energia térmica e fabricar cimento utilizando o combustível derivado de resíduos (CDR)”, comenta Yuri Schmitke, presidente da Abren.

O executivo também menciona a baixa demanda dos leilões de energia nova e afirma que o interesse deve seguir baixo em virtude do avanço da micro e minigeração distribuída e da abertura do mercado livre. Uma das alternativas para estimular energia a partir de resíduos, na visão da Abren, é a possibilidade de estruturação de concessões municipais conjuntas no regime de autoprodução de energia elétrica.

“A mesma empresa licitada irá prestar os serviços de implantação e operação da usina de recuperação energética de resíduos, assim como de coleta e transporte do lixo urbano por meio de caminhões elétricos e ônibus elétricos”, propõe o executivo. “Nessa modalidade, os veículos elétricos se abastecem na usina a um custo menor do que se utilizassem a energia elétrica da distribuidora local, além de viabilizar a energia que vem do lixo urbano.”

Outra possibilidade para estimular a geração de energia a partir de resíduos, defendida pela Abren, é a queima de sobras do processo produtivo. Hoje, explica Yuri Schmitke, o País conta com uma grande participação da geração de energia por meio da incineração de bagaço de cana-de-açúcar, madeira e outros tipos de resíduos agrícolas, mas ainda carece da incineração de resíduos urbanos e industriais para geração de energia elétrica ou térmica. “O principal entrave para essas fontes é o não reconhecimento dos seus atributos ambientais e elétricos, como energia firme e complementar às intermitências das renováveis solar, eólica e hidráulica”, afirma o presidente da Abren.

Autor/Veículo: O Estado de S. Paulo
Compartilhe: