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Entrevista: 'Não faz sentido tabelar os juros do cartão', diz secretário da Fazenda

Secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto descarta o tabelamento de juros do cartão de crédito, mas afirma que o governo tem estudado medidas para reduzir as taxas cobradas dos usuários nessa modalidade.

A taxa média de juros cobrada pelos bancos nas operações com cartão de crédito rotativo, em março, era de 430,5% ao ano, de acordo com os dados mais recentes do Banco Central.

Em entrevista ao GLOBO, Barbosa Pinto diz que a demora no lançamento do Desenrola, programa prometido pelo governo Lula para renegociar dívidas, é decorrente da dificuldade técnica de se fazer a ferramenta digital pela qual o mecanismo será aplicado.

O programa vai juntar devedores, credores (que darão descontos) e bancos (que financiarão o pagamento das dívidas). Haverá garantias do Tesouro a juros mais baixos. Essa garantia será apenas para quem tem renda de até dois salários mínimos ao mês. Na prática, essas pessoas tomarão empréstimos a juros mais baixos para quitar dívidas com desconto.

Para quem tem mais de dois salários mínimos de renda mensal, o incentivo do governo será uma mudança regulatória para aliviar o balanço dos bancos.

Como estão as discussões para reduzir os juros do cartão de crédito rotativo?

É um sistema super complexo. Tem um mercado duplo de lojistas e usuários, várias formas de cobrança e vários atores no meio. Há um desequilíbrio nesse modelo que acaba fazendo com que as taxas de juros sejam cobradas de uma parcela muito pequena do total que é transacionado com o cartão de crédito.

Isso faz com que as taxas do rotativo no Brasil acabem sendo muito maiores do que em outros países. Esse arranjo não é bom, os juros do rotativo são cobrados de pessoas de baixa renda e com baixa escolaridade. É um arranjo bem regressivo, as taxas de juros estão fora de qualquer padrão mundial, são excessivas. A gente precisa resolver esse problema.

Como resolver?

Estamos conversando com os bancos, com o Banco Central, sendo transparente e sem demagogia para tentar entender como solucionar o problema. Há muitas alternativas na mesa. Mas o mais importante é perceber que não faz sentido a gente tabelar os juros do cartão.

Porque isso pode implicar no aumento de tarifa ou desequilibrar e afetar o que tem grande valor para a população, como o parcelamento sem juros, que é uma forma muito comum de financiamento. Mas a gente acredita que tem muito espaço para, tecnicamente, reduzir muito os juros do rotativo, sem afetar a economia. Estamos avançando nas discussões.

Em 2019, foi estabelecido um limite de juros para o cheque especial…

O cheque especial é muito diferente do rotativo do cartão de crédito. No especial, só existe uma possibilidade de cobrança de juros. No rotativo, você tem impacto em todas as outras tarifas que são cobradas no sistema. Pode ter impacto na tarifa de intercâmbio, na oferta do parcelamento sem juros, na ponta para o lojista.

Quando será proposta uma solução?

Não gosto de dar prazo. Posso antecipar que não vamos fazer nada de supetão, sem consultar o mercado. Qualquer caminho de regulação tem que passar por análise de impacto regulatório e consulta pública.

Onde há maior resistência?

Ninguém no setor está contente com o resultado que a gente tem. Mas o difícil é fazer o processo de mudança. O caminho é o diálogo e um entendimento a fundo dos números.

Quando o programa Desenrola vai sair?

O programa é extremamente complexo de ser implementado e a principal questão é a tecnologia da informação. Não é só o sistema da plataforma, mas a conexão, os mecanismos que bancos e credores terão que desenvolver para se conectar a essa plataforma.

A plataforma vai ligar os credores, que podem ser companhias de varejo, pequenos varejistas, sem restrição aos bancos e devedores. O critério vai ser quem oferecer o maior desconto.

Já foi definido o valor que o Tesouro dará para o fundo garantidor?

Já temos uma série de fundos já constituídos que a gente pode utilizar os recursos ou contar com recursos do Tesouro. Mas a ideia é ter um volume restrito de recursos que serão alavancados. O valor ainda não está totalmente fechado, mas é na casa dos R$ 10 bilhões, R$ 15 bilhões.

Isso é suficiente para destravar qual volume de recursos?

Vai depender dos descontos. Eles variam no setor privado entre 50% a 95%. Se a gente conseguir atingir o mesmo nível para alguns créditos, podemos alavancar muita renegociação com esses recursos. Vale mencionar que essa é uma faixa do Desenrola, há outra que é o incentivo regulatório para que os bancos renegociem as dívidas de seus clientes.

Os bancos vão poder usar os créditos fiscais como capital regulatório à medida em que forem renegociando as dívidas. Isso é uma vantagem considerável para os bancos porque eles abrem mais espaço nos balanços deles.

Todas as dívidas vão poder entrar e todas vão poder ser negociadas?

Sim. Mas pode acontecer que a dívida não esteja lá, mesmo que a pessoa ganhe até dois salários mínimos, se o credor não quiser oferecer um desconto, não quis participar do programa. Não podemos compelir ninguém a dar desconto.

O governo trabalha em outras medidas para prover o crédito no curto prazo?

Estamos monitorando a situação. No começo do ano, a gente teve um momento de bastante retração de crédito, tivemos eventos particulares que afetaram o mercado de capitais. Mas a gente vê a situação se normalizando. O mais importante no momento é a gente dar um alívio para aquela camada da população que mais precisa, que são as pessoas que vão se beneficiar do Desenrola.

A gente precisa trabalhar no crédito do ponto de vista estrutural, que é criar as condições para que a gente tenha uma taxa de juros mais baixa no futuro.

Além de crédito, que outras reformas estão sendo tocadas pela secretaria?

A gente tem um problema de produtividade no Brasil. Produtividade estagnada no país desde a década de 1990. O único setor que realmente aumentou sua produtividade significativamente, e a razão pela qual a produtividade no global subiu, é o agronegócio. Os outros setores estão estagnados.

O propósito da secretaria é atacar as razões micro pelas quais a gente estagnou nessa produtividade. A gente trabalhou primeiro o problema do crédito, que é central. Outro aspecto fundamental é a infraestrutura. O foco nos próximos meses é esse, em diálogo com os órgãos setoriais e com o Congresso.

O senhor defende a ampliação do mercado de capitais. A CVM será fortalecida?

O ministro se comprometeu e já disse que fará concurso na CVM. Um evento, às vezes de uma companhia, destrói a credibilidade do mercado como um todo. Então você precisa ter fiscalização, e a gente está trabalhando nos dois pilares: fiscalização pública e fiscalização privada.

Fiscalização pública a gente precisa fortalecer a CVM, fazer concurso e ter estrutura. E precisamos de mecanismos privados, que é o projeto que permite aos acionistas minoritários, aos investidores do mercado, serem ressarcirdos de prejuízos causados pelos controladores e administradores das companhias. O mercado cresceu muito e a CVM perdeu tamanho.

Autor/Veículo: O Globo
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