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Estaria o hidrogênio verde brasileiro sob risco?

A Agência Internacional de Energia estima que a demanda anual de hidrogênio aumentaria de cerca de 100 milhões de toneladas por ano (Mt/ano), quase todo fóssil, para cerca de 528 Mt/ano em 2050, majoritariamente produzido com energia renovável e conhecido como hidrogênio verde (H2V). Pelos cálculos da PSR, essa demanda representa 64% do consumo atual de eletricidade do mundo e demonstra a grande expectativa da participação do H2V na transição energética global, atraindo o interesse de muitos países na sua produção.

O Brasil já possui uma matriz elétrica altamente renovável e é capaz de garantir uma expansão limpa. A combinação de excelentes recursos naturais através de uma rede elétrica nacional integrada permite que sinergias sejam aproveitadas, tornando a eletricidade renovável muito competitiva.

Para aproveitar essa vantagem, o Brasil precisará atestar sua conformidade com os critérios definidos pelos mercados compradores de H2V. A União Europeia (UE), principal mercado-alvo, publicou um ato delegado que estabelece os critérios para a caracterização de combustíveis renováveis, válidos tanto para projetos europeus como para exportadores para a UE.

A opção mais interessante para o Brasil atender a esse critério para exportar H2V é utilizar eletricidade diretamente da rede elétrica, o que só é possível se a geração renovável superar 90% do total. Permite utilizar ao máximo a planta de eletrólise, cujo investimento é alto, e reduzir o custo de produção de H2V. Ela é permitida no leilão H2 Global, processo em curso do governo alemão para a compra de H2V globalmente.

Simulações da operação do sistema elétrico pela PSR mostram ser provável o atendimento ao requisito de 90% de energia renovável pelo Sistema Interconectado Nacional até 2027. Após 2027, entretanto, essa condição pode ser interrompida pela entrada de térmicas, em particular, pelos 8.000 megawatts previstos pela lei de capitalização da Eletrobras com produção mínima obrigatória de 70% da capacidade, que representa 8% do consumo atual. Caso implementada, o Brasil pode perder a condição necessária para certificar a produção de H2V a partir da rede. Térmicas inflexíveis em geral podem eliminar essa vantagem comparativa do Brasil e reduzir seu potencial de exportação de produtos verdes competitivos. As políticas energéticas demandarão cada vez mais uma visão holística para conciliar os interesses do Brasil com uma agenda de transição energética global. •

  • Luana Gaspar, Rafael Kelman e Luiz Barroso são, respectivamente, especialista e diretores da PSR Consultoria
Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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