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Governo perde com a saída de Mansueto da secretaria do Tesouro, avaliam especialistas

O nome de Bruno Funchal como substituto de Mansueto Almeida na secretaria do Tesouro sinalizou a continuidade da política fiscal austera e teto de gastos defendido pelo ministro Paulo Guedes. Mas especialistas consultados pelo Globo avaliam que o governo perde um grande interlocutor com o Congresso, além de um técnico com ideias e opiniões próprias. Também alertam que diante de maior cobrança da sociedade pela retomada da economia num cenário de terra arrasada pela pandemia, existe o risco de uma guinada na politica fiscal, com aumento de gastos públicos, inclusive para tentar garantir a reeleição do presidente Bolsonaro em 2022.

O economista Sergio Vale, da MB Associados, avalia que a saída de Mansueto da equipe econômica, apesar de esperada, não é positiva para o governo. Para ele, Mansueto era um bom formulador de políticas públicas e num momento em que o país terá muitas dificuldades fiscais à frente, o secretário fará falta. O economista vê "um risco relevante" de o governo querer dar uma guinada fiscal de gastos para manter sua popularidade.

— Já vemos de certa forma essa tendência, com a aproximação do centrão e o desejo dos militares em aumentar o investimento público — disse o economista.

Vale lembra que existe a discussão sobre a criação de um programa de renda básica, que certamente deverá acontecer, o que ajudaria em parte melhorar a popularidade do presidente com a população de menor renda.

— São muitas pressões de gastos à frente com um governo cada vez mais enfraquecido politicamente. Será muito difícil nessa conjuntura dar rumo de equilíbrio para as contas públicas a partir do próximo ano — observa ele, que lembra que a saída de Mansueto também sinaliza um desgaste crescente do Ministério da Economia, que pode ser desmantelado com a recriação do Ministério do Desenvolvimento.

A economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, avalia que Mansueto, além do conhecimento técnico, era importante pela construção de pontes com o Congresso — qualidade rara neste governo.

— A saída dele faz com que o governo perca essa interlocução com o Congresso — disse Ribeiro.

Risco de guinada populista
No cenário mais pessimista da Tendências, com 40% de chances de se concretizar, existe o risco de uma guinada mais populista do governo em relação aos gastos públicos. Nesse cenário, diz Ribeiro, a economia não terá uma retomada tão rápida em 2021, como prevê o ministro Paulo Guedes, aumentam as pressões da cúpula política por medidas que estimulem o crescimento para garantir uma possível reeleição de Bolsonaro em 2022.

No cenário base da Tendências, com 55% de chances de se concretizar, o teto de gastos é mantido, mas dificilmente será alcançado em 2021 só com contingenciamento de despesas. Nesse caso, será preciso aprovar pelo menos a PEC Emergencial.

— A agenda de reformas de antes da pandemia fica comprometida, atém porque depois da aliança com o Centrão essa agenda deve mudar. E temos uma crise política, que é institucional. Então não descartamos que o governo prolongue o decreto de calamidade pública e vá empurrando as coisas com a barriga — disse Alessandra Ribeiro.

Continuidade na política de Paulo Guedes
O estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno, afirma que a saída de Mansueto não se deu num contexto de divergência da equipe econômica sobre o comprometimento fiscal. Para Rostagno, o ministro Paulo Guedes continua tendo como objetivo levar as contas públicas a uma situação de equilíbrio.

— O ministro continua ciente da necessidade de colocar as contas públicas em trajetória sustentável para manter os juros baixos. E a saída de Mansueto não foi por divergências nesse sentido — disse.

O estrategista afirma que se o trabalho de ajuste fiscal já seria grande antes da pandemia, agora será muito maior, considerando que haverá pressões por mais gastos públicos, num contexto de queda de arrecadação de impostos e tributos.

— O cenário será ainda mais desafiador e demandará perseverança. Mas vejo riscos de aumento dos gastos públicos num momento em que parte da população está insatisfeita com o governo. Será uma tentação ao logo dos próximos anos, mas acho que o melhor caminho é manter a austeridade. Se os investidores perceberem que haverá a retomada da política de aumento de gastos par estimular o crescimento, haverá uma retração dos investimentos privados e o país mantém o baixo crescimento que temos visto — disse Rostagno.

Para os economistas, Mansueto tinha ideias e opiniões próprias e muitas vezes discordava de seu chefe, Paulo Guedes. Em março passado, Guedes e Mansueto divergiram publicamente sobre o crescimento da economia brasileira no ano passado, que foi de 1,1%. Mansueto disse em entrevistas, que uma expansão menor do que a registrada nos dois anos anteriores, não era normal e tirava o seu sono.

“Estou muito preocupado, não durmo tranquilo. Não é normal um país como o Brasil crescer 1% ao ano. Isso causa frustração em vários segmentos da sociedade”, disse à época Mansueto.

Guedes, por sua vez, questionou a reação de surpresa com o resultado e disse não entender a “comoção”.

“Estou surpreso com a surpresa que vocês estão tendo. Se o Mansueto estava esperando que fosse crescer 3%, ele deve estar frustrado. Para mim, está acontecendo tudo como tinha que acontecer”, rebateu o ministro.

Mansueto, entretanto, também era elogiado por Guedes, que disse no início de 2020 que temia perdê-lo para a iniciativa privada ainda este ano.

Autor/Veículo: O Globo
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