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Haddad promete atrelar nova regra fiscal a cortes em subsídios públicos

O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe pretendem apresentar um novo arcabouço fiscal em dobradinha com um programa de avaliação e revisão de políticas públicas, entre elas renúncias, subsídios e incentivos fiscais. Haddad defende que o novo regime tenha uma regra efetiva de controle de gastos, e não se concentre exclusivamente no controle do resultado primário para a volta de superávits nas contas públicas. O resultado primário é decorrente da diferença entre receitas e despesas do governo, sem contar os gastos com o pagamento dos juros da dívida.

O Estadão apurou que a proposta é trabalhar em conjunto com Simone Tebet, futura ministra do Planejamento, no programa de revisão de gastos, chamado pelos economistas pelo termo em inglês “spending review”. Por trás dessa estratégia, está a sinalização dada na terçafeira passada por Haddad, em entrevista no Centro Cultural Banco do Brasil, de que irá apresentar um plano de ajuste fiscal para cobrir o rombo aberto em 2022 nas contas públicas.

Haddad pretende ter um arcabouço fiscal que tenha uma regra que avalie não só quantitativamente o gasto, mas também a sua qualidade, para identificar se as políticas públicas atuais estão dando os resultados esperados ou se é melhor revisá-las e direcionar os recursos para financiar outras despesas.

Como mostrou o Estadão, esse plano passa por uma revisão das projeções de receitas de 2023, que, segundo técnicos do atual governo, estariam subestimadas em cerca de R$ 36 bilhões. Haddad quer apresentar o plano de ajuste fiscal nos primeiros dias de janeiro. “Tivemos um cenário do meio do ano para cá muito preocupante, que tem de ser enfrentado”, reforçou o ministro. Ele já acenou que vai antecipar a apresentação do projeto de arcabouço fiscal, com o compromisso de consultar vários economistas sobre o modelo antes de enviá-lo ao Congresso. A ideia é conseguir com a nova regra, que substituirá o teto de gastos, previsibilidade para a trajetória de despesas em relação ao PIB e qualidade da avaliação periódica das políticas públicas.

Em muitos casos, disse um integrante do governo de transição, não dá para pensar em separado da reforma tributária que será apresentada pelo novo governo. A divulgação pelo Estadão da intenção de Haddad de atrelar a nova regra à revisão de gastos foi bem recebida pelo mercado financeiro.

COMBUSTÍVEIS. Um dos primeiros testes será a definição sobre o fim da desoneração dos impostos federais incidentes sobre combustíveis. Há consenso na equipe de Haddad de que não faria sentido continuar subsidiando o preço dos combustíveis fósseis. A questão em discussão é a velocidade de desmonte desses subsídios criados por Bolsonaro. A decisão vai levar em conta o preço do petróleo no mercado internacional e o câmbio.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva descartou a proposta do governo atual de prorrogar por mais um mês a desoneração, que termina oficialmente neste sábado. •

Intenção é avaliar resultado dos atuais programas para orientar corte de despesas

Nos últimos dias do mandato do presidente Jair Bolsonaro, o atual governo deixou pronta uma proposta para alterar o teto de gastos com a intenção de pautar o debate fiscal no ano que vem, antes que a equipe econômica do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva apresente sua sugestão. O Estadão/broadcast teve acesso com exclusividade à íntegra de três textos redigidos por técnicos do Ministério da Economia a pedido do ministro Paulo Guedes. Integrantes do Centrão querem amarrar as ideias e apresentar no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no início de fevereiro.

A proposta de Guedes é incorporar a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) no cálculo do teto de gastos, que teria crescimento real permanente, acima da inflação, dependendo do nível da dívida. Hoje, o teto é corrigido apenas pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Além de marcar posição política e se antecipar à equipe econômica petista, a ideia é abrir uma frente de negociação no Legislativo e deixar claro que haverá resistência em acabar com o teto de gastos – regra que limita o crescimento das despesas do governo à inflação –, como tem sido defendido pelo PT.

A PEC da Transição, promulgada na semana passada pelo Congresso, determina que o novo governo envie ao Congresso até agosto do ano que vem um projeto de lei complementar para criar uma nova âncora para substituir o teto. O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já afirmou que pretende apresentar a proposta antes desse prazo, mas a avaliação de parlamentares do Centrão é que a equipe petista ainda deve demorar para chegar a um consenso sobre a regra fiscal.

No Congresso, os três textos sugeridos por Guedes (duas PECS e um projeto de lei complementar que tratam do mesmo assunto) devem ser incorporados em uma única PEC e a intenção inicial é que ela seja apresentada na primeira quinzena de fevereiro.

Uma emenda constitucional dá mais segurança jurídica ao arcabouço fiscal do que uma lei complementar, mas a escolha do Centrão por uma PEC se deve também ao rito de tramitação. Esse tipo de matéria precisa do apoio de três quintos dos parlamentares para ser aprovada – 308 na Câmara e 49 no Senado. Já um projeto de lei complementar, que deve ser formulado pela equipe de Haddad, necessita do aval da maioria absoluta dos congressistas – respectivamente 257 e 41.

DESGASTE. A PEC, portanto, dá mais poder de negociação ao Congresso e representa mais riscos para o governo. Ao se antecipar na discussão e propor um texto com maior dificuldade de ser aprovado, a oposição a Lula amplia o desgaste do petista – já iniciado com as negociações da PEC da Transição e a montagem do ministério, ainda não finalizada a quatro dias da posse.

A PEC também abre mais espaço para discussão do tema. Esse tipo de texto passa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) das duas Casas e, na Câmara, tramita ainda por uma comissão especial, onde é debatido o mérito. Nos bastidores, os deputados acreditam que essa etapa será essencial para as articulações e conversas com o novo governo sobre o teor que eles desejam ver na proposta que deve vir do Ministério da Fazenda. Uma das ideias do Centrão é convocar Haddad para audiências no Congresso.

A proposta formulada por Guedes, cujas linhas gerais foram divulgadas em 23 de dezembro numa nota informativa da Secretaria de Política Econômica (SPE), permite o crescimento do teto acima da inflação em alguns cenários. Quando a dívida bruta estivesse em 60% do PIB e o crescimento da economia fosse superior a 1%, o teto seria acrescido com base na inflação e no valor do PIB menos 1 ponto porcentual. Assim, se a economia crescesse 3%, o teto aumentaria 2% além do IPCA.

No cenário em que a dívida bruta ficasse entre 60% e 80% e a economia crescesse acima de 2%, o teto aumentaria com base na soma da inflação com o PIB menos 2 pontos porcentuais. Nesse caso, se o crescimento da economia fosse de 3%, o teto aumentaria 1% além do IPCA. O limite de gastos seria corrigido somente pela inflação quando a dívida bruta estivesse em um nível superior a 80% ou quando, nos dois primeiros cenários de dívida, o crescimento econômico fosse inferior a 1% e 2%, respectivamente. Em 2022, a dívida deve terminar em cerca de 73% do PIB.

A proposta também determina que todo o acréscimo no teto seja alocado em despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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