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ICMS requer reforma, não canetada

Cinco meses após a aprovação de mudanças na tributação sobre combustíveis, o impasse que se criou entre os Estados, União e Congresso está longe de ter fim. Duas leis aprovadas pelo Legislativo neste ano derrubaram os preços da gasolina e do diesel e geraram uma conveniente deflação na véspera da eleição presidencial, mas a queda na arrecadação estadual é um fato e pode comprometer o custeio de políticas públicas nas áreas de saúde, educação e segurança.

Os Estados acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para que derrube as leis que impuseram um teto para a alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), alteraram a base de incidência e uniformizaram a cobrança em todo o País.

Eles consideram que houve quebra do pacto federativo e interferência em sua autonomia política, financeira, orçamentária e tributária. O Legislativo não esconde o incômodo com a possibilidade de que o STF revise suas decisões – e nem o Senado, Casa que representa os Estados, quis defendê-los nessa disputa.

Na tentativa de encontrar uma solução mediada, o ministro Gilmar Mendes criou uma comissão especial cuja atuação se encerraria no dia 4 de novembro. A pedido da Advocacia-geral da União (AGU), no entanto, os trabalhos foram prorrogados até 2 de dezembro. Como mostrou o Estadão, as propostas em discussão são tão velhas quanto inoportunas – ajustar a alíquota do ICMS conforme a variação do preço do barril de petróleo, criar um fundo de estabilização para amenizar reajustes e compensar as perdas de Estados e municípios com a redistribuição de royalties de petróleo.

A perspectiva já não era positiva, e tudo indica que a discussão se dará sob outras bases após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, avançando sobre seu mandato. Problemas complexos exigem soluções complexas, e nada mais simplório do que o que o governo Jair Bolsonaro fez com a legislação do ICMS sobre combustíveis. É um exemplo educativo sobre a importância da formulação racional de políticas públicas, algo que passa por muitas etapas, mas que se inicia, necessariamente, pela correta identificação do problema, para só então se propor uma solução.

No caso dos combustíveis, o Executivo partiu de um diagnóstico parcialmente correto. A tributação do ICMS até favorecia aumentos, mas de forma secundária quando comparada às cotações do barril de petróleo no exterior, sobretudo em tempos de guerra. Mesmo consciente desse contexto, o presidente/candidato Bolsonaro abusou de seu poder para impor mudanças na marra e tentar se livrar do estrago que os preços altos causam em um ano eleitoral.

Não resta dúvida de que a legislação que rege o ICMS deveria ser revista – e não apenas no que concerne a combustíveis. Se a arrecadação do ICMS garante 86% das receitas dos Estados, também é verdade que tal imposto reúne alguns dos piores defeitos que um tributo pode ter: não tem regras ou alíquotas uniformes entre os Estados; sua complexidade impõe às empresas custos que poderiam ser revertidos em investimentos; tem caráter cumulativo e não incide sobre exportações, mas os créditos que gera não podem ser apropriados de forma imediata, derrubando a competitividade dos produtos nacionais; é fonte de permanentes guerras fiscais entre os Estados.

Essa lista de problemas não traz novidades. São questões que merecem ser tratadas no âmbito de uma proposta de reforma, a exemplo das que tramitam na Câmara e no Senado. Ainda que não haja consenso sobre alíquotas, os atores envolvidos concordam sobre a necessidade de unificar impostos sobre o consumo de bens e serviços, bem como sobre um período de transição e sobre o pagamento de compensações aos entes que vierem a ser prejudicados.

É algo que vai muito além dos preços dos combustíveis na bomba, mas é inegável que houve algo vantajoso nessa discussão. O voluntarismo bolsonarista não resolveu nenhum desses problemas, mas expôs a importância de resgatar uma articulação por uma reforma tributária ampla – e as consequências de seus recorrentes adiamentos.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo (Editorial)
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