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Inadimplência bate recorde e chega a 43,4% dos brasileiros

Nunca houve tantos brasileiros adultos inadimplentes, especialmente aqueles que vivem em centros urbanos ligados à indústria e à prestação de serviços, que ainda sentem o baque da pandemia. Em março, na média do País, 43,4% da população com mais de 18 anos de idade tinha deixado de pagar dívidas. É uma marca recorde da série iniciada em novembro de 2016 pela Serasa, empresa especializada em informações financeiras.

O calote elevado emperra o crescimento da economia – tanto que o tema foi alvo de várias promessas de campanha dos candidatos à Presidência da República na última eleição. O lançamento do Desenrola, programa do governo federal de renegociação de dívidas das pessoas físicas, está atrasado, à espera de soluções para questões técnicas.

Enquanto isso, a inadimplência avança, ainda em ritmo mais lento em relação ao passado recente, mas o suficiente para se manter em níveis recordes. Em março, 70,71 milhões de inadimplentes deviam, em média, R$ 4.731,62. As pendências com bancos, cartões de crédito, lojas e contas de água, luz e serviços de comunicação somavam R$ 334,5 bilhões.

Inflação e desemprego em desaceleração, mas ainda em níveis elevados, e a fraqueza da atividade econômica são o pano de fundo do mapa do calote que ganha contornos específicos em cada Estado. Isto é, depende da combinação entre o ritmo da atividade predominante na região, do desemprego, da renda e do volume de auxílios recebidos do governo pela população.

De acordo com o levantamento da Serasa, em cinco unidades da Federação mais da metade da população adulta estava negativada em março. Antes da pandemia, em março de 2020, só um Estado ultrapassava a marca de 50%: o Amazonas, com 55,2%.

Quem liderou o ranking dos Estados mais inadimplentes foi o Rio de Janeiro, com 52,6% da população adulta no vermelho, seguido por Amapá (52,4%), Amazonas (52,3%), Distrito Federal (51,1%) e Mato Grosso (50,2%). O Ceará, apesar do índice menor (45%), foi o Estado que mais avançou entre março de 2020 e março de 2023 no calote: mais de oito pontos porcentuais.

“Estados mais ligados ao setor de serviços, à indústria ou grandes centros urbanos estão em situação pior”, diz o economista Luiz Rabi, da Serasa. Em março de 2020, o Rio de Janeiro ocupava a sexta posição no ranking dos mais inadimplentes e hoje está na liderança.

Além da falta de dinamismo da economia do Rio, sem um setor rural forte ou cadeia exportadora – exceto o petróleo em alguns municípios –, o Estado depende dos serviços, especialmente do turismo, que parou na pandemia, diz Rabi. •

Situação é pior em Estados cuja economia depende mais do setor de serviços e da indústria

A renda é a principal variável que afeta a inadimplência, de acordo com o economista Luiz Rabi, da Serasa. Foi exatamente a corrosão da renda pelo aumento da inflação, sobretudo dos preços de produtos e serviços ligados ao carro, que fez Renan Laurentino, de 35 anos, morador no Rio de Janeiro, ficar inadimplente.

Ele trabalhava como motorista de aplicativo e viu suas despesas com combustíveis e manutenção do veículo crescerem e as receitas das corridas irem diminuindo. “Comecei acumular despesas no cartão de crédito, peguei empréstimo no banco para quitar e aí começou a bola de neve”, conta.

A dívida com o banco, que chegou a R$ 15 mil, Laurentino conseguiu quitar na semana passada porque voltou a trabalhar com carteira assinada em uma empresa de alarmes. Estudante de Fisioterapia, agora a sua pendência é com a faculdade, onde acumula dívida de R$ 8 mil. “Ainda não sentei para conversar com eles, mas pretendo voltar a estudar em agosto e preciso estar com isso regularizado até lá.”

Michael Burt, economista da LCA Consultores, lembra que desde o início da pandemia a inadimplência caiu para a mínima histórica porque houve uma grande renegociação de dívidas e a taxa básica de juros, a Selic, recuou para 2% ao ano. “Houve um alongamento da curva de dívida das famílias”, afirma.

Mas o calote começou a subir a partir do final de 2021 em razão da disparada da inflação. A alta de preços prejudicou principalmente as camadas de menor renda, como uma enfermeira cearense que conversou com a reportagem sob a condição de anonimato.

Ela, que tem 28 anos e vive em Tauá, a 330 km de Fortaleza, está sem pagar financiamento estudantil desde novembro. Empregada e com renda de R$ 2,5 mil, ela deve cerca de R$ 6,5 mil e nunca tinha ido parar na lista do calote.

“O que me levou à inadimplência foi a carestia”, diz a enfermeira. A saída para conseguir cobrir as despesas básicas, como a do supermercado, onde antes ela gastava R$ 400 por mês e hoje não sai por menos de R$ 700, foi deixar de pagar o financiamento estudantil. Por enquanto, ela não vê chance de quitá-lo. “Estou no limite.”

POLO OPOSTO. Enquanto o Rio está no topo da lista do calote, três Estados estão no polo oposto. Piauí com 36,7% da população adulta inadimplente, é o último do ranking, superando Santa Catarina (36,7%) e Maranhão (38,4%).

Rabi aponta que os benefícios sociais, tanto do governo federal como programas específicos dos Estados, como fator de peso para o bom desempenho da inadimplência. “Até o ano passado, Piauí e Maranhão eram Estados que porcentualmente mais recebiam benefícios do Bolsa Família.”

Segundo levantamento da LCA Consultores, a partir de dados do Ministério do Desenvolvimento Social, em fevereiro deste ano, o Piauí foi a unidade da federação que mais recebeu Bolsa Família, com uma parcela de 19,4% da população. Maranhão também figura entre os mais beneficiados, com 17,5%.

Burt, da LCA, acredita que o melhor desempenho da inadimplência do Piauí e do Maranhão também esteja ligado às maiores facilidades na renegociação de dívidas. Embora não tenha feito estudo a respeito, ele concorda com Rabi e acredita que o benefício social deve ter tido impacto na renda da população.

Já os motivos que levaram Santa Catarina a estar bem na foto da inadimplência são a combinação da forte cadeia exportadora ligada ao agronegócio de carnes e aves, com renda média alta e uma taxa de desemprego que chega a ser a metade da média nacional.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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