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'Juro baixo tem efeito limitado por segunda onda de covid no País'

Com os efeitos de uma nova onda de covid-19 no Brasil, os juros baixos têm efeito limitado na recuperação da economia, avalia Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV). Ele estima que a Selic, os juros básicos, feche 2021 em 3,5%. A seguir, trechos da entrevista.

• Como avaliar a postura do Copom de manter os juros em 2%? Veio no sentido de sinalizar uma postura mais apertada. O ‘forward guidance’ (prescrição futura) foi descontinuado, a expectativa era que isso não ocorresse ontem e foi uma surpresa. Embora o comunicado do BC aponte que não vai subir juros na próxima reunião, é um primeiro sinal. E a questão da inflação é mais preocupante do que na reunião anterior.

• Retirar o ‘forward guidance’, então, foi a decisão correta?

É uma medida acertada. Estava menos confortável do que o consenso parece indicar. A proporção de itens que têm subido de preço aumentou. Que o BC vai subir juros este ano, em algum momento, já se sabia. Mas foi um sinal importante.

• A inflação fechou 2020 com um avanço de 4,52%, o maior resultado em quatro anos e acima do centro da meta do BC, de 4%. A inflação ainda preocupa?

Os fatores que têm feito a inflação subir se dão pelo choque muito forte de preços. Caso o BC não tivesse baixado os juros tanto, o câmbio poderia não ter sido tão afetado, mas a subida dos preços dos alimentos surpreendeu, e a atividade econômica se recuperou mais rápido do que se imaginava ano passado, principalmente na indústria e no comércio. A inflação, em si, espantou, mas o que preocupa é a subida de preços ter se disseminado.

• O BC exagerou na dose ao ter levado os juros a 2% ao ano?

Ao chegar a uma taxa real de juros muito negativa, começouse a criar pressão para fundos de renda fixa. Isso foi administrado, mas era uma preocupação grande. À época, me pareceu que o corte de juros precisaria ser revertido rapidamente. Acredito que a atitude mais acertada tivesse sido baixar os juros para até 3% ao ano e observar o efeito. Agora, será preciso subir juros mais cedo do que se não tivessem cortado tanto. Até o fim do ano, imagino que a Selic esteja em 3,5%.

• Os juros baixos ainda têm efeito na melhora da atividade econômica neste momento?

Os juros baixos ajudaram muito no lado fiscal, mas têm pouco efeito prático na recuperação da economia agora. Com a queda dos juros, eu esperava um impacto mais forte na construção civil, por exemplo. O problema é que os juros curtos da Selic estão negativos, mas os juros longos, não. Isso acontece pela preocupação com o lado fiscal e diminui o impacto dos juros sobre a economia. O que está segurando a atividade é a pandemia: as escolas não funcionam, o transporte público não opera por completo. O resumo é que os juros até ajudam, mas o impacto global é limitado pela questão sanitária. A economia vai estar pior este ano do que precisava estar. Poderia começar a melhorar no segundo trimestre, mas acho que a melhora só virá no segundo semestre.

• A melhor medida econômica, portanto, é controlar a pandemia. Sim. Estamos vivendo uma segunda onda, a diferença é que os governos têm resistido a fechar comércio e negócios, ao contrário do segundo trimestre do ano passado. Mas uma série de atividades continuam sentindo o efeito da covid-19. Nesse sentido, 2020 ainda não acabou. Mas quando os mais vulneráveis forem vacinados, a economia deve ter um alento.

• O que muda com o início do governo Biden, nos EUA, e as medidas que os democratas vão tomar para combater a pandemia? O BC cita que um pacote fiscal expressivo esperado nos Estados Unidos (com o controle dos Democratas nas duas Casas) entrou no radar. A nova secretária do Tesouro, Janet Yellen, é grande defensora do estímulo para reativar a economia americana. Ela disse que eles vão ‘agir grande’. Não é pensar grande, mas agir grande.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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