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Montadoras param fábricas por queda nas vendas e dão férias coletivas

Após dois anos de paradas forçadas por escassez de semicondutores, as montadoras voltam a interromper a produção, mas, desta vez, também por falta de consumidores. A desaceleração da atividade econômica, a inflação e os juros elevados estão frustrando a expectativa do setor e levando empresas a promoverem ajustes na produção.

A partir de hoje, três grandes grupos, General Motors, Hyundai

e Stellantis (dona de Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) vão suspender linhas de produção e dar férias coletivas. O quadro de fraqueza nas vendas pode se prolongar até 2024, dizem economistas do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco (Depec), e novas paradas devem ocorrer.

Nesta segunda-feira, a Hyundai concede férias coletivas de três semanas para os trabalhadores dos três turnos da unidade que produz os modelos HB20 e Creta em Piracicaba (SP). Na quarta-feira, a Stellantis dispensa por 20 dias os funcionários do 2.º turno da fábrica da Jeep em Goiana (PE) e, uma semana depois, os operários do 1.º e do 3.º turnos, por dez dias, período em que toda a produção dos SUVs Renegade, Compass, Commander e da picape Fiat Toro estará paralisada.

A GM também suspenderá a produção da picape S10 e do SUV Trailblazer na planta de São José dos Campos (SP) de 27 de março a 13 de abril. No fim de fevereiro, a fábrica que produz modelos Peugeot e Citroën encerrou o 2.º turno em Porto Real (RJ) e antecipou a dispensa de 140 funcionários com contratos temporários.

As montadoras justificam as medidas pela queda da demanda e a necessidade de adequar seus níveis de produção ao mercado atual. Em 2019, as vendas foram de 2,787 milhões de unidades – patamar já considerado baixo. No ano passado, esse número caiu para 2,104 milhões de unidades. As férias coletivas ao longo das próximas semanas envolvem cerca de 10 mil trabalhadores.

“Ao contrário do último biênio, em que a oferta era a principal fonte de desafios da indústria automobilística, a demanda deve ser o fator-chave para o cenário de 2023-2024”, assinala o Depec, em relatório assinado pelos economistas Renan Bassoli Diniz e Myriã Bast.

O setor já vinha de um desgaste. A falta de semicondutores para a produção fez com que 630 mil veículos deixassem de ser produzidos em 2021 e 2022.

A escassez já é bem menor, mas ainda persiste. A Volkswagen vai parar a produção em Taubaté (SP) por dez dias a partir da próxima semana. No fim de fevereiro e início deste mês a marca já tinha paralisado as linhas de outras três unidades por falta de componentes. A fábrica da Renault no Paraná ficou inativa na semana passada pelo mesmo motivo. •

Setor já vinha enfrentando dificuldade por causa da falta de semicondutores em todo o mundo

A melhora no fornecimento global de componentes, especialmente de semicondutores, ajudou as fabricantes de veículos a recomporem estoques. No auge da pandemia, eles caíram para volumes próximos a dez dias de vendas, e alguns automóveis chegaram a ter fila de espera de até seis meses.

Já no fim de fevereiro, havia 187,4 mil carros nos pátios das fábricas e concessionárias, suficientes para 40 dias de vendas, acima da média normal, que é de 30 a 35 dias. Os preços dos carros usados, que apresentaram alta valorização no período de escassez dos novos, pararam de subir e até promoções nas vendas dos zero quilômetro, que estavam raras nos últimos meses, estão de volta.

Diante desse cenário, as paradas nas fábricas visam a segurar a produção para evitar um grande acúmulo de estoques, algo que pressionaria para baixo os preços dos automóveis. “Não há outra alternativa para as empresas, pois, se não readequarem a produção para a nova realidade, vão perder muito dinheiro”, diz Fernando Trujillo, consultor da S&P Global Brasil.

Segundo ele, o problema de demanda já vinha ocorrendo, mas no ano passado foi, de certa forma, “maquiado” pela falta de chips. A recuperação das vendas prevista para este ano, na casa dos 4% pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), é pequena, e muitas montadoras continuarão fazendo ajustes. “No ano passado, não teve essa necessidade porque houve paradas por falta de chips”, diz Trujillo.

OCIOSIDADE. A previsão do setor era de que boa parte dos mais de 600 mil carros que deixaram de ser produzidos nos últimos dois anos por falta de peças fosse vendida em 2023. “Isso não deve ocorrer diante da perda do poder de compra do consumidor, da inflação, do juro alto, da restrição dos bancos na liberação de crédito por causa da inadimplência e das indefinições de políticas econômicas do novo governo.”

Estudo da S&P Global mostra que a indústria automotiva brasileira opera com quase 40% de ociosidade. A capacidade produtiva do setor é de 3,6 milhões de veículos ao ano, com a maioria das fábricas operando em dois turnos. Se fosse em três turnos, seria de 4,3 milhões de unidades.

“Além de ajustes com férias coletivas, como já está acontecendo, é possível que ocorram demissões”, prevê Trujillo.

No início do mês, quando avisou o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos sobre as férias coletivas, a General Motors demitiu cerca de 40 funcionários, segundo Renato Almeida, secretário-geral da entidade.

“A empresa informou que 7 mil pedidos de carros foram cancelados e, por isso, precisaria reorganizar a produção”, diz Almeida. O processo foi suspenso após os funcionários ameaçarem greve e foi agendada uma reunião de negociações para 19 de abril. A abertura de um Programa de Demissão Voluntária (PDV) pode ser uma das alternativas, diz ele.

Várias empresas aproveitaram o fim de semana para realizar promoções e baixar estoques. As revendas Fiat ofereceram descontos de até R$ 30 mil, juro zero e tanque cheio (de diesel) por um ano – neste último caso para a picape Toro. A rede Hyundai ofereceu seguro gratuito e condições especiais para troca de usados por novos. Já as 42 lojas da Hyundai/Caoa deram bônus de até R$ 4 mil e juros menores.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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