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'Não vamos matar a galinha dos ovos de ouro'

A atual gestão da Petrobras quer deixá-la mais verde, mas, apesar de temores no mercado, não será à custa do negócio principal, a exploração e a produção de petróleo – o que dá lucro e engorda o seu caixa. O objetivo é investir em novas tecnologias de energia renovável como a eólica em alto-mar (offshore) e também em opções mais maduras, na linha do que pares globais já têm feito. Para chegar lá, um caminho considerado é retomar parcerias no exterior, em especial, nos Estados Unidos.

A agenda está sob o guardachuva da nova diretoria de transição energética e sustentabilidade, capitaneada por Maurício Tolmasquim, criada no âmbito do ajuste organizacional feito pela gestão de Jean Paul Prates, alçado à presidência no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e que entrou em vigor nesta semana. “A Petrobras vai se transformar em uma empresa de energia, mas o petróleo continuará sendo o centro da sua geração de caixa e receitas. Não vamos matar a galinha dos ovos de ouro”, diz o executivo, em entrevista ao Estadão/Broadcast, durante a Offshore Technology Conference (OTC), o maior evento da indústria de petróleo e gás no mar, em Houston (EUA). Seguem os principais trechos da entrevista:

Como foi a recepção em Houston, com a nova área de transição energética sob o seu comando e a gestão da Petrobras no governo Lula?

Fomos muito bem recebidos. A criação da nova diretoria está sendo muito bem recebida não só no Brasil, mas aqui também. Em todas as conversas, esse é um dos temas. A Petrobras era uma das poucas grandes empresas de petróleo que não tinham uma área de alto nível tratando questões de transição energética, estava muito fora do contexto das demais petroleiras.

O que a nova diretoria levará de Houston?

Estou tendo uma série de encontros. Um deles foi na prefeitura de Houston, onde estavam grandes empresas petrolíferas tratando da captura e armazenagem de CO2. Em 2022, a Petrobras reinjetou 10 milhões de toneladas, um quarto de tudo que foi reinjetado no mundo. Foi a empresa que mais reinjetou CO2 no mundo em 2022, mas queremos ir adiante.

Como?

Houston tem um hub de projetos de CO2 com potencial para chegar a 100 milhões de toneladas. O que está se discutindo aqui são coisas de outra dimensão. Tivemos uma reunião para ver a possibilidade de intercâmbio e de um memorando de entendimento com a prefeitura de Houston, com o objetivo de analisar a cooperação nessa área de CO2. No pré-sal, o gás é reinjetado no próprio reservatório de petróleo. Queremos, no Brasil, injetar CO2 em outras formações geológicas que não têm a ver com petróleo. Vamos fazer um projeto-piloto no Rio de Janeiro para o nosso hub de CO2. Tem aí um caminho interessante. Mas esse é um exemplo.

Outros negócios foram fechados? O que a Petrobras deve levar de Houston?

De concreto, é o memorando (com a prefeitura de Houston). Teve uma série de outros contatos que podem resultar em negócios. A parceria é uma maneira de compartilhar conhecimento, dividir riscos, transferir tecnologia e compartilhar investimentos.

O senhor acaba de assumir uma nova área na Petrobras e que vai tocar os projetos de transição energética e sustentabilidade. Qual a estratégia e o volume de investimentos previstos para os próximos anos?

Os números e os detalhes vão sair somente no Plano Estratégico, em novembro. As grandes diretrizes que a empresa está pensando em investir são atividades ligadas a descarbonização e energias renováveis. Outra é acabar com essa proibição de atuar fora do Brasil, ter a possibilidade de ter alguma parceria e a área de transição energética seria uma forte candidata para isso. Uma questão importante é a modernização do parque de refino já com uma lupa para energias renováveis. A ideia é modernizar, expandir as refinarias existentes, mas levando em consideração que o mundo está em uma condição diferente hoje, de que é necessário enfrentar as mudanças climáticas. Também é fundamental olhar a questão regional do País.

A Petrobras quer se expandir no exterior e no Brasil?

A Petrobras está se transformando em uma empresa só do Sudeste. A gente acha que a Petrobras tem de ser uma empresa do Brasil. É claro, vai produzir petróleo onde tem, mas é possível aproveitar as especificidades regionais como a eólica no Nordeste, solar em algumas outras regiões. Podemos aproveitar esses diferentes potenciais para ter uma atuação mais nacional, que é uma demanda legítima dos Estados. Mas a gente só vai para lá se a atividade for rentável. A ideia não é ir apenas por ir. A gente quer olhar novas tecnologias, eólica offshore, e também aquelas maduras e que dão retorno no curto prazo. O foco é ter um portfólio diversificado.

A Petrobras estava atrasada na transição energética?

No que diz respeito à descarbonização, a Petrobras está muito bem. Agora, onde a empresa está bem atrasada é na parte dos seus produtos. É além do petróleo, produzir energia elétrica a partir de fontes renováveis, biocombustíveis. Quando você pega o teu combustível, deixa de queimar e transforma, por exemplo, em um plástico, você está evitando a emissão de CO2. Na hora que você faz lubrificante, por exemplo, você está deixando de queimar o combustível, também está capturando CO2. Tudo isso é o que chamo de ‘esverdear’ o produto da Petrobras. Tornamos o processo mais verde, mas o produto não. Esse é o grande desafio, e nisso a Petrobras está realmente atrasada e a gente tem de recuperar o tempo perdido.

O setor de óleo e gás tem sido colocado como fundamental para a transição energética. O investimento em novas energias renováveis afeta a quantia de dinheiro voltada à produção de petróleo e gás?

Não vamos fazer novas atividades em detrimento do upstream (exploração e produção de petróleo). A Petrobras é uma empresa de petróleo e vai se transformar em uma empresa de energia, mas o petróleo continuará sendo o centro da sua geração de caixa e receitas. Não vamos matar a galinha dos ovos de ouro. O pré-sal foi um bilhete premiado que o País recebeu e a Petrobras também. Não vamos rasgar esse bilhete, mas é possível usar parte desse recurso para alinhar a Petrobras com as outras do mundo. Isso não tem a ver com questão ética em relação às mudanças climáticas ou o planeta, ou o Brasil, é claro que é importante, mas é uma questão de estratégia de sobrevivência da empresa no longo prazo. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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