Notícias

Número de inadimplentes é recorde e chega a 70 milhões

Em cenário de juros altos e renda das famílias corroída pela inflação, o total de inadimplentes com bancos, empresas de cartão de crédito, financeiras, lojas e serviços de utilidades pública, como água e luz, chegou em janeiro deste ano a 70,1 milhões de pessoas. As dívidas em atraso somavam R$ 323,3 bilhões. Os dois números são recordes da série iniciada em março de 2016 pela Serasa. O crescimento da inadimplência tem levado os bancos a adotar critérios mais rígidos na concessão de empréstimos e as famílias a recorrer mais ao cheque especial e ao cartão de crédito, que cobram juros mais altos.

Nunca o brasileiro deveu tanto – e não pagou. Em janeiro deste ano, 70,1 milhões de inadimplentes com bancos, empresas de cartão de crédito, financeiras, lojas e serviços de utilidades pública, como água e luz, acumulavam dívidas em atraso que totalizavam R$ 323,3 bilhões. Tanto o número de inadimplentes quanto o valor de débitos são recordes da série iniciada em março de 2016, apontam dados da Serasa.

Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, entraram na lista do calote 5,3 milhões de pessoas, o equivalente à população da Noruega. No período, a dívida total cresceu cerca de 24% (R$ 62,6 bilhões), enquanto o valor médio por inadimplente avançou de R$ 4.022 para R$ 4.612.

Juros altos e renda corroída pela inflação elevada foram os gatilhos para o aumento do calote, adormecido no auge da pandemia por conta das postergações da quitação dos atrasos.

O aumento no número de inadimplentes começou a partir de setembro de 2021, quando a inflação acumulada em 12 meses atingiu 10,23%. Até aquele mês, eles eram por volta de 62 milhões, uma marca já elevada, com total de dívida de R$ 245 bilhões. “A inflação fez um estrago gigantesco no orçamento das famílias, especialmente nas de baixa renda, o que gerou esse crescimento no número de brasileiros inadimplentes”, afirma o economista-chefe da Serasa, Luiz Rabi.

Para esticar a renda e manter o padrão de consumo, as famílias buscaram o crédito mais fácil e mais caro, como cartão de crédito e cheque especial, mas a estratégia acabou não dando certo a médio prazo justamente porque a inflação não cedeu.

O cenário se agravou por causa da fraqueza do mercado de trabalho. Embora a ocupação tenha aumentado, o salário não teve ganhos reais. •

A deterioração da situação financeira das famílias já traz uma preocupação para o sistema financeiro do País, que tem ficado mais rígido na concessão de novos créditos e levado os brasileiros a recorrer às chamadas linhas emergenciais, como cheque especial e rotativo do cartão de crédito – que têm os juros mais elevados.

Em 12 meses até janeiro, por exemplo, a concessão de crédito dessas duas modalidades registrou alta de 22% e 47,5%, respectivamente, de acordo com dados do Banco Central (BC).

“Todo esse cenário pressiona a situação financeira das famílias, diminuindo tanto a demanda quanto a oferta de crédito”, afirma Isabela Tavares, analista da Tendências. “Esse tipo de crédito revela uma necessidade das famílias em momentos de emergência, porque elas não têm acesso a outras modalidades.”

Também foram as linhas de cheque especial e cartão de crédito que registraram os maiores índices de inadimplência. Em janeiro, o atraso apurado há pelo menos 90 dias respondia por 13,6% do saldo a receber, no cheque especial, e 8,6% no do cartão de crédito parcelado, aponta o BC.

É uma marca bem superior à inadimplência média das pessoas físicas com recursos livres, que atingiu 6,1% no mesmo período, observa o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes. Ele destaca que essa taxa média de inadimplência da pessoa física com o sistema financeiro é a maior em seis anos e meio. “Só a recessão de 2015/16 produziu um cenário tão negativo quanto esse que temos hoje”, afirma o economista.

SAÍDA. Num cenário macroeconômico de baixo crescimento, inflação pressionada e juros ainda elevados ao longo deste ano, economistas concordam que a saída para equacionar neste momento o problema da inadimplência é a microeconômica. Ou seja, a renegociação.

No governo, a preocupação com uma ampla crise de crédito no País já é evidente. Nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, confirmou que apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o desenho do programa Desenrola, que a princípio deve prever a renegociação de dívidas de pessoas com renda de até dois salários mínimos.

A Serasa iniciou na última terça-feira o Feirão Limpa Nome presencial em São Paulo, que vai até amanhã. Mas as negociações online duram até 31 de março. Pela primeira vez, o birô conseguiu reunir um número recorde de 425 empresas credoras, dispostas a oferecer descontos de até 99% sobre o valor das pendências.

NOVA TENTATIVA. Há dois anos, Sebastião Gomes, de 57 anos, tentou renegociar as suas dívidas, mas não teve sucesso. Elas chegaram a somar R$ 20 mil. “Paguei algumas coisas, mas depois me enrolei de novo”, diz. “Quando eu fui ver no banco, já estava devendo e comecei a pagar juros. Agora, eu estou tentando voltar ao normal.”

Gomes perdeu o controle do seu orçamento depois de abrir uma empresa de jardinagem. Não conseguiu manter as contas em dia. Agora, buscou uma negociação e conseguiu reduzir o montante que devia, sobretudo, para bancos, para R$ 2 mil.

Enquanto não sai da lista de inadimplentes, não consegue crédito para a sua empresa. Por isso, vive de trabalhos menores. “Não posso fechar grandes serviços, só pequenos.” •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
Compartilhe: