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'País dá exemplo ruim com megavazamento'

Além de violar a privacidade de milhões de brasileiros, o megavazamento de 223 milhões de CPFS, 104 milhões de registros de veículos e 40 milhões de CNPJS pode prejudicar a imagem internacional do Brasil. Segundo o advogado de direito digital Fabrício Polido, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e sócio do escritório L. O. Baptista Advogados, até mesmo a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo dos países ricos do qual o País tenta fazer parte, pode ser prejudicada pelo caso.

Para ser membro da OCDE, um país precisa estar de acordo com as práticas exigidas pela organização, como adequação tributária, governança corporativa e proteção de dados e privacidade.

“O País precisa demonstrar que está de acordo com os padrões e as recomendações da organização, que vai conduzir a revisão de pares para verificar se o Brasil tem leis e dados institucionais para responder a esse campo da governança de dados”, explica Polido. “Com um caso desse no currículo brasileiro, a OCDE certamente vai levar em consideração essa experiência recente, que prejudica o pleito do Brasil”.

Polido afirma que o governo brasileiro também pode ser obrigado a prestar esclarecimentos em comitês de Direitos Humanos, já que, sob a legislação internacional, o tema de privacidade e proteção de dados são um direito fundamental do indivíduo.

Outro fator prejudicial, diz o advogado, é que podem ser afetadas as multinacionais brasileiras que atuam no exterior ou têm a intenção de expandir o negócio para outros países.

Em entrevista ao Estadão, Polido deu uma dimensão do tamanho do estrago internacional do caso. Leia os principais trechos a seguir.

• Qual é o efeito do megavazamento para a imagem do País?

O Brasil acaba mais uma vez dando um exemplo muito ruim para o regime internacional de proteção e de governança de dados das maiores organizações, vide a União Europeia (UE), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização Mundial do Comércio (OMC).

• E qual o impacto disso para o mundo?

Como o Brasil pleiteia acesso como membro-pleno da OCDE, o País precisa demonstrar que está de acordo com os padrões e as recomendações da organização, que tem trajetória antiga, desde 1980, em governança de dados. Há uma falha grande na forma como respondemos a demandas de cooperação internacional no setor. Não há uma cultura de privacidade de dados no Brasil e agora estamos no olho do furacão com esse megavazamento

• Como essa má reputação nos prejudica?

Com um caso desse no currículo brasileiro, a OCDE certamente vai levar em consideração essa experiência, que prejudica o pleito de adesão à organização. Outro ponto é a União Europeia, que, mais cedo ou mais tarde, vai ver se o Brasil é adequado em termos de proteção de dados segundo a lei de privacidade europeia, chamada GDPR. Empresas europeias podem ter dificuldades operacionais para estabelecer relações com empresas brasileiras, porque vão encontrar uma situação desfavorável em termos de dados. Há muito tempo, multinacionais brasileiras nos EUA e na Europa já têm a pratica de estabelecer nos contratos cláusulas que exigem garantias na proteção de dados. Existe a preocupação de que esses vazamentos abram espaços para múltiplas violações de direitos humanos. O Brasil pode ser analisado em comitês e relatorias internacionais e pode ser que tenhamos de prestar contas sobre quais medidas adotamos para remediar esse incidente.

• O que pode ser feito?

A resposta mais certa no momento é que o Brasil estabeleça um plano direcionado de diplomacia de dados para sequenciar o que é um plano de contenção dos danos computacionais na OCDE, na UE e na OMC. Isso vai levar a um certo trabalho de direcionar o Estado brasileiro para se responsabilizar internacionalmente. E, tão importante quanto, as empresas no Brasil vão ter de atuar porque elas foram levadas por obrigações legais a demonstrar que têm essa capacidade corporativa de proteção de dados. Se fizer isso, a empresa brasileira vai estar antenada com a prática da OCDE. Do contrário, elas ficam de fora das práticas comerciais.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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