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Petrobras ignora transição energética e mantém renováveis fora de novo plano de investimentos

Apesar das crescentes pressões pela redução da produção de combustíveis fósseis no mundo, a Petrobras manterá em seu novo plano estratégico para os próximos cinco anos a decisão de não investir em projetos de geração de energia renovável.

A estratégia é questionada por especialistas diante da maior resistência global ao petróleo e da recuperação financeira da companhia, que é hoje a quarta maior pagadora de dividendos entre as petroleiras negociadas em Nova York.

"A COP26 deu um sinal muito claro para a indústria", diz Roberto Kishinami, coordenador do ICS (Instituto Clima e Sociedade). "Pela primeira vez, a resolução final da conferência trouxe uma referência explícita a combustíveis fósseis."

O texto fala em reduzir subsídios ineficientes para a produção desses combustíveis. "Até a próxima COP teremos vários grupos técnicos trabalhando para fazer um levantamento de quais são os subsídios e de como podem ser eliminados", continua Kishinami. "É um parafuso que só vai apertar cada vez mais."

Antes do encontro em Glasgow, a Agência Internacional de Energia e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas já haviam emitido duros alertas sobre a necessidade de reduzir a produção de combustíveis fósseis.

A Petrobras abandonou em 2019 a ideia de investir em geração de energias renováveis, na contramão de algumas de suas concorrentes, principalmente as europeias, alegando que as operações não davam lucro e que precisava focar em ativos mais rentáveis para reduzir sua dívida.

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Desde então, a empresa já vendeu participações em usinas eólicas e produtoras de biocombustíveis. Atualmente, negocia ativos de geração hidrelétrica e seu braço para a produção de biodiesel.

Sem dar detalhes do plano, o gerente executivo de Estratégia da Petrobras, Rafael Chaves, disse à Folha que o plano deve avançar na estratégia da companhia em relação às mudanças climáticas, mas não há previsão de guinada estratégica.

"Certamente, vamos trazer evolução nesse olhar para a sustentabilidade nesse plano, mas não vai ter mudança radical", afirmou o executivo. "A gente não pode ignorar: o Brasil tem o pré-sal, que é um ativo maravilhoso, gera emprego, renda, tributos e retorno para a sociedade."

Chaves defende que a estratégia da estatal demonstra responsabilidade com a transição energética e com questões climáticas e cita como exemplos a criação de uma gerência específica para o tema e a inclusão de métricas de sustentabilidade na avaliação dos bônus pagos a seus executivos.

O plano estratégico anterior, diz o executivo, separou US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões pela cotação atual) para reduzir as emissões de carbono nas operações de exploração e produção de petróleo. Em setembro, a estatal aderiu a uma iniciativa internacional do setor de petróleo para zerar as emissões líquidas até 2050.

Com relação às renováveis, o foco se manterá no diesel verde, com a inclusão de pesquisas sobre a produção de hidrogênio. O segmento de geração de energia solar ou eólica permanece sendo visto como um assunto de pesquisa e desenvolvimento, sem previsão de operações no curto prazo.

A estratégia está mais próxima das petroleiras americanas do que das europeias, que vêm anunciando pesados investimentos em energias renováveis para responder a pressão de investidores e se posicionar no futuro mercado de carbono, cujas regras foram aprovadas na COP26.

"O investimento [ambiental] da Petrobras é muito tímido, especialmente frente ao que os pares vêm fazendo", diz Ilan Arbetman, analista que acompanha a estatal na Ativa Corretora. "E não há dúvidas que existe um preço nisso."

Ele acredita que com o aumento das pressões de investidores e financiadores, o mercado tende a penalizar empresas que não avançarem nas questões climáticas, seja pela retirada das ações de portfolios de investimento, seja pelo encarecimento do crédito.

Com o aumento das pressões contra os combustíveis fósseis, o setor de petróleo já é negociado em bolsa com desconto em relação a atividades menos poluentes.

A Petrobras tem um desconto maior do que as concorrentes — hoje, seu valor de mercado equivale a 2,5 vezes seu Ebitda, indicador que mede a geração de caixa, bem abaixo das 9,6 vezes da gigante global ExxonMobil, por exemplo.

Para analistas, esse cenário reflete principalmente os riscos inerentes a uma estatal, já que a companhia demonstrou nos últimos trimestres que a estratégia de restruturação financeira e foco em operações mais rentáveis surtiu efeito.

Comparação feita pela consultoria Economática entre as maiores petroleiras com ações negociadas em Nova York mostra que a Petrobras é hoje a empresa com maior rentabilidade do setor e uma das que mais paga dividendos.

Seu indicador de retorno sobre o capital empregado, conhecido como ROE, chegou a 43,4%, mais de dez pontos percentuais acima da Marathon Petroleum, a segunda do ranking. A margem líquida foi de 34,6%, também quase dez pontos acima da segunda colocada, a Canadian Natural Resources.

Além de se beneficiar do petróleo mais caro, como suas concorrentes, a estatal deve o resultado à alta produtividade e ao baixo custo da produção do pré-sal, à melhora do portfólio com a venda de ativos menos rentáveis, a processos de redução de custos e ao fato de parte de suas receitas serem em reais.

Com o bom desempenho, a empresa reduziu sua dívida para abaixo da meta estipulada para o fim de 2022 e decidiu devolver boa parte do caixa livre aos acionistas, sob a forma de dividendos. Em 2021, já anunciou a distribuição de R$ 63,4 bilhões pelo lucro acumulado de R$ 75,1 bilhões.

Para a SFA Investimentos, a própria pressão pela transição energética deve beneficiar as finanças da companhia no curto prazo ao manter mais altas as cotações internacionais do petróleo, já que vem forçando grandes petroleiras globais a destinar parte do orçamento a energias renováveis.

Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Ineep (Instituto Nacional de Estudos Estratégicos em Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e professor IE/UFRJ, chama a estratégia de "curto-prazista". ao privilegiar a rentabilidade do pré-sal sobre investimentos sustentáveis.

"A tendência, dada a gestão atual, é ficar distribuindo lucro e dividendos, em volumes cada vez maiores", afirma. "Porque para investir, vai ter que fazer investimentos necessariamente menos produtivos do que o pré-sal."

O gerente executivo de Estratégia da Petrobras diz que os elevados dividendos são o pagamento de uma dívida da estatal com seus acionistas após anos sem dar retorno por seus investimentos.

Ele defende ainda que o pré-sal produz petróleo com menos emissões do que outras grandes bacias produtoras no mundo e, por isso, deve manter sua fatia de mercado mesmo quando a demanda global começar a sentir o efeito da transição energética.

"Vamos produzir para a frente mais petróleo do que produzimos até hoje", diz Chaves, acrescentando que a empresa quer acelerar essa produção. "O ideal é transformar esses recursos em riqueza, fazer isso rápido e de forma responsável".

Autor/Veículo: Folha de S.Paulo
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