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Petrobras: troca no comando deve travar venda de refinarias e empresas

A troca no comando da Petrobras deve travar a venda de refinarias e de ações da estatal na BR na Bolsa, o que tinha previsão de ocorrer entre abril e maio, segundo fontes a par das negociações. Estas operações fazem parte de uma estratégia de reestruturação da companhia, que busca se concentrar em áreas estratégicas como a exploração do pré-sal. A política também visa abrir espaço para a entrada do setor privado em segmentos que já não são considerados prioritários pela estatal e, assim, destravar investimentos.

Os planos de venda de ativos da Petrobras não estão entre os alvos de críticas do presidente Jair Bolsonaro. Mas, na avaliação de analistas, conselheiros e fontes ligadas à companhia, a indicação do general Joaquim Silva e Luna — que ainda depende da aprovação do Conselho de Administração da companhia — deve frear tratativas em curso e atrasar negociações. O indicado já sinalizou que pretende “tomar pé” da gestão da companhia antes de tomar decisões, inclusive relacionadas à política de preços.

Mais do que um processo de acomodação com a chegada de um novo presidente e da eventual troca de cargos na diretoria (caso parte dela renuncie em apoio ao atual presidente, Roberto Castello Branco), a preocupação é com a sinalização de interferência do governo.

Bolsonaro indicou um nome para comandar a companhia por estar descontente com a política de preços, que repassa aos combustíveis a variação do petróleo e do dólar, medida considerada crucial para as finanças da estatal.

— Ninguém vai olhar um ativo com os mesmos olhos. Colocaria uma variável de risco maior. Como vou investir em um país que muda as regras? Vou botar um deságio em função do risco que o governo está impondo — afirmou Cristiano Costa, presidente da consultoria e trading de petróleo JGlobal Energy.

Desvalorização de ativos
A estratégia de reestruturação para recuperar as finanças da empresa, afetadas desde a Operação Lava-Jato, foi o pilar das gestões de Pedro Parente e Castello Branco. O endividamento líquido da companhia caiu de US$ 100,42 bilhões no fim de 2015 para US$ 66,21 bilhões no terceiro trimestre do ano passado.

A troca no comando ocorre no momento em que a Petrobras entraria na fase mais importante da venda de empreendimentos, que vão de refinarias a operações no exterior, gasodutos, termelétricas e campos de petróleo. A meta é vender até US$ 35 bilhões em ativos entre 2021 e 2025. A lista atual abrange mais de 50 ativos à venda, com várias transações perto do estágio final.

Em 2019, a empresa levantou US$ 16 bilhões com a alienação de empresas e participações. No ano passado, a pandemia paralisou negociações e ela obteve US$ 2 bilhões. Neste ano, já tinha arrecadado US$ 300 milhões.

Em alguns casos, a venda de ativos representa mudança estrutural, como no setor de refino, em que a atuação da empresa tem caráter monopolista. A Petrobras se comprometeu em acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão regulador da concorrência, a reduzir sua presença. Há oito refinarias à venda. Agora, fontes ligadas à estatal temem que os negócios não saiam do papel.

Na cúpula da empresa, existe o receio de que a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam) e seus ativos logísticos, na Bahia, ao fundo soberano de Abu Dhabi, Mubadala Capital, por US$ 1,65 billhão, não seja concretizada. Foi a primeira operação de venda de refinaria anunciada, um negócio que era considerado meta na gestão de Castello Branco.

A crise a partir do anúncio da mudança no comando da estatal pode impactar o processo de venda de outras refinarias, como a Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul, e a Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná. A Refap estava na mira do Grupo Ultra (dono do Ipiranga), e as negociações estavam em ritmo avançado. A Repar, por sua vez, tinha o interesse da Raízen (controlada pela Shell e Cosan), mas as negociações tinham sido interrompidas por uma discussão de preço.

Como resumiu um executivo, se a Repar já vinha recebendo propostas abaixo do esperado pela Petrobras, agora “nem tem mais discussão”.

— A sinalização é que os preços das refinarias seriam reduzidos. A dúvida é se a atual política de venda será continuada ou não. O mercado não entende quando o indicado para presidente (o general Silva e Luna) fala em questões sociais. Isso é relacionado a combustíveis ou inclui projetos deficitários, como as refinarias? Tem muito ruído — afirmou Marcelo de Assis, chefe de Análise em Upstream da consultoria Wood Mackenzie para América Latina.

Além das refinarias, outro negócio para reforçar o caixa da empresa a curto prazo é a venda de 37,5% das ações que ela ainda tem na BR. O objetivo era fazer a operação (chamada de follow-on) cerca de 40 dias após a divulgação dos resultados financeiros de 2020, marcada para quarta-feira. Segundo fontes, a operação pode sofrer atraso com a mudança no comando e a perspectiva de queda no valor das ações.

Entrada do setor privado
Na avaliação de empresários, a compra de ativos da Petrobras serviu como plataforma de expansão do investimento privado no país nos últimos anos. É o caso da Copagaz, que adquiriu por quase R$ 3,7 bilhões, em parceria com Itaúsa e Nacional Gás Butano, a Liquigás, subsidiária da estatal especializada no engarrafamento do gás de botijão. Com o negócio, a empresa, que alcançou a liderança do segmento, pretende se transformar em uma companhia integrada de energia, segundo Caio Turqueto, presidente da Copagaz.

Já a Engie, maior geradora de energia privada do país, comprou a TAG, rede de gasodutos nas regiões Norte e Nordeste, por R$ 33 bilhões em parceria com o fundo CDPQ. Ela tem planos de investir R$ 10 bilhões nos próximos anos e mira projetos de energia renovável, gasodutos e linhas de transmissão, segundo Maurício Bähr, presidente da empresa.

A venda de campos menores de petróleo também fomentou um mercado de petroleiras de médio porte ou se tornou a porta de entrada para estrangeiras no país.

Autor/Veículo: O Globo
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