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'Plano de ajuste é insuficiente e é o primeiro de alguns'

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, diz que o plano de ajuste de fiscal anunciado na semana passada é a “cara” de onde o governo Lula quer chegar para reverter o rombo das contas públicas. Ao Estadão, Tebet admite que o plano é insuficiente e que mais “alguns” terão de ser anunciados. Ela explica, porém, que as primeiras medidas fazem parte de um “combo” junto com a criação de uma nova regra fiscal e a aprovação da reforma tributária.

“É o ano de votar a reforma tributária. Ou é agora ou é nunca”, diz ela, que antecipa que trabalhará “nas horas vagas e depois do expediente” no Congresso para aprovar a reforma junto com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a quem chama de “ministro-chefe” da equipe econômica.

Tebet diz que um rombo de 2% do PIB nas contas públicas é “inconcebível” e que o grande recado do início do governo Lula foi mostrar a preocupação em reverter esse quadro. Ela diz que a prioridade é reconstruir o planejamento e o Orçamento no médio prazo. A seguir, trechos da entrevista.

A sra. falou que é preciso gastar bem com o pouco que se tem. Como fazer isso?

Esse é o maior desafio. O Brasil gasta muito e gasta mal. E, por isso, a gente tem hoje um elefante lento e pesadão. A gente vai ter que ter agilidade, eficiência e eficácia. O cobertor, que já era curto, ficou mais curto ainda com a pandemia e a má condução dela, o que aumentou o número de pessoas que precisam do Orçamento. O primeiro passo é reconstruir o planejamento e o Orçamento sob novas bases. Pensar o Orçamento não só como algo anual, deixar essa visão curta de sempre alocar recursos de acordo com emergência e necessidade para uma visão um pouco mais ampla.

Qual será o papel da secretaria de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas? É a cereja do bolo do ministério: a revisão periódica do que está dando certo, de rever gastos. Nós estamos entrando em rota de colisão. É um plano de voo com aeronaves de tamanhos distintos e de modelos distintos. Não podem ser tratados de forma igual. Cada ministério tem sua prioridade. Ou você tem áreas com mais recursos e outras descobertas ou você tem rota de colisão. Então, tudo isso passa pelo spending review, revisão de gastos.

Não teme comprar briga com a Esplanada inteira? Não. A minha surpresa é encontrar no ministro Haddad um parceiro para essa questão. Na nossa primeira reunião, a primeira coisa que ele fez foi elogiar o fato de que o ministério tem essa secretaria de avaliação. Ele fez altos elogios a Sérgio Firpo, que a gente convidou como professor do Insper, uma pessoa experiente que vem trabalhando nisso há anos, ajudando inclusive o Tribunal de Contas da União. E ele mesmo fez algumas sugestões, que eu não posso adiantar. É num momento de crise que a gente tem a oportunidade de fazer o que precisa ser feito. É insustentável um déficit de mais de 2% do PIB – palavras do próprio ministro Haddad que convergem comigo. Nós temos um juro impraticável de 13,75% ao ano que impede o Brasil de crescer. Não gera emprego nem renda, palavras do Haddad. Diante do diagnóstico ser o mesmo – e também de, já num primeiro momento, a mesma saída, que é o spending review –, o que vai incluir primeiro ou segundo é uma questão que nós vamos estar discutindo no tempo certo. Agora, eu ouvi também dele algo que eu venho falando há muito tempo, que é a questão dos gastos tributários. Desde a época em que estou como senadora a gente tem tratado disso. Não tem como não rever os gastos tributários, à exceção daquilo que vem de ordem e de determinação da agenda política do presidente. Ele fala em não incluir Zona Franca de Manaus, algumas coisas.

Mas aí o espaço para corte fica pequeno…

Eu concordo que há essa dificuldade. Só o Simples ocupa 25% dos gastos tributários. Mas ela não vem sozinha. Você vem com uma reforma tributária aí que, inclusive, vai abarcar a questão que vinha nesse primeiro programa de reestruturação fiscal e não veio: a questão do IPI. Quando a gente fala que temos de rever gastos dentro desse planejamento global é: o que gastar, como gastar e o que cortar. Nós temos um limite que é uma agenda política do presidente Lula, um compromisso de programa que tem que caber. Então, dentro dessa estrutura toda e dentro desses limites, nós vamos fazer o que é possível. Mas, repito: a decisão política não é do ministério. O principal foco do ministério é em relação às despesas, por mais que a gente também avalie receitas. Mas, o Ministério da Fazenda tem esse propósito. Aí, quando a gente fala do Ministério do Planejamento e Orçamento neste ano de 2023, além do Plano Plurianual (PPA), que vai ser uma grande missão, nós temos de falar que é o ano de votar a reforma tributária. Ou é agora ou é nunca. Isso se arrasta há 30 anos, por tempo demais. Nós temos uma reforma bem avançada no Senado. Se eu puder trabalhar nas horas vagas e depois do expediente, para aprovar reforma tributária, eu vou fazer.

Não teme fogo amigo?

Por enquanto, não tenho o que reclamar. O ministério do Planejamento está em todos os órgãos. Nesses novos decretos e portarias que estão vindo, o Planejamento vai estar em todas as áreas estratégicas dos outros ministérios econômicos. Por enquanto, se tiver fogo amigo, não estou sabendo.

Sobre a revisão de contratos para cortar despesas, investidores avaliam que a portaria é abrangente e pode deixar margem para decisões unilaterais.

Não, tanto que a gente colocou nos termos da lei. Você tem a lei de licitação e contratos que impede, você tem o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Você vai entrar em negociação quando achar que tem sobrepreço, superfaturamento… Nós estamos falando basicamente dos contratos de custeio, os corriqueiros. Tem algum indício de ilegalidade, de preços excessivos? É disso que estamos tratando.

Qual será a participação do ministério na definição do novo arcabouço fiscal? A sra. defende uma regra de controle de gastos?

Sim. A sustentabilidade da dívida pública vai depender de três questões para recuperar a confiança. Primeiro: esse programa de reestruturação fiscal não é o primeiro – não é o único. É o primeiro de alguns que poderão vir, se não conseguirmos só com ele zerar o déficit. Segundo: Haddad já sinalizou de mandar ainda nesse primeiro semestre a nova regra fiscal. Terceiro é a reforma tributária. É um combo. Repito: o programa de reestruturação foi para dar a cara de onde a nova equipe econômica quer chegar. Esse programa de reestruturação, está muito claro para mim nesse sentido, ele é insuficiente e o ministro da Economia (Fazenda) sabe disso. Ele tem de vir com a reforma tributária e nova regra fiscal. É isso que eu espero para esse ano. É nisso que vamos trabalhar e é nisso que temos convergência.

E como deve ficar o reajuste do salário mínimo?

Nós havíamos deixado no Congresso um espaço fiscal de R$ 6,8 bilhões para o reajuste para R$ 1320. O que aconteceu é que no final do ano pessoas que estavam na fila do INSS foram incorporados. Hoje, há recurso para R$ 1.302. Se houver uma decisão política do presidente Lula que vai se chegar a R$ 1.320, que nenhum momento foi dito pela equipe econômica – foi anunciado por outros membros–, óbvio que vai ter de ter remanejamento. Vai ter de se tirar de algum lugar, porque estamos no limite do teto de gastos. •

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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