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"Por um imposto regulador dos preços dos combustíveis"

Apesar de o Brasil ser detentor de uma das mais generosas riquezas naturais do mundo, como o pré-sal, as rendas governamentais vinculadas à exploração dessas riquezas geram montantes relativamente pequenos aos cofres públicos diante do tamanho da economia e da carga tributária total.

No caso do petróleo, a parcela dos impostos incidentes na comercialização dos seus derivados, constituída principalmente do ICMS, é paga pelo consumidor. Mesmo essa carga não é das maiores no mundo: na média da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a participação dos tributos sobre o preço final de comercialização é de 54% (dados da Opep de 2020). No Brasil, essa carga na gasolina é de 39%, no diesel, 20%, e, no GNV (gás natural veicular), 23%.

E a carga de impostos que incidem na exploração do petróleo e gás no Brasil paga pelas empresas? Esses tributos são constituídos de impostos federais sobre lucros (CSLL e IRPJ) e as rendas de exploração, que são os royalties e as participações especiais recolhidas por estados, municípios e União.

Segundo a Receita Federal, a arrecadação dos impostos federais sobre lucros do setor petroleiro foi de irrisório 0,05% do PIB na média dos anos de 2011 a 2020, período em que ocorreu um aumento das deduções legais praticadas. Já o pagamento de royalties e participações atingiram níveis recordes de R$ 74,4 bilhões em 2021, mas representam apenas 0,86% do Produto Interno Bruto. Assim, se em 2021 a soma dos dois totalizar uma carga tributária perto de 1% ou 1,5% do PIB, a contribuição da produção de petróleo na receita tributária brasileira fica entre 3% e 4,5% do total arrecadado.

De fato, dados apresentados no livro "International Taxation and the Extractive Industries", por Philip Daniel e outros, ilustram que a arrecadação advinda da indústria extrativa (incluindo petróleo e minérios) tem peso extremamente baixo na receita tributária total no Brasil (menos de 5%), em grande contraste com outros países. Essa participação chega a mais de 60% na Arábia Saudita e Emirados Árabes; no México fica próxima de 30%; na Noruega e na Rússia, 20%; e, no Chile, 15%.

Na comparação setorial, dados da Firjan (relativos a 2016), considerando impostos de todos os entes da Federação sobre produtos líquidos de subsídios, mostram que os setores intensivos na exploração de commodities (incluindo a agropecuária e a indústria extrativa) pagam, juntos, apenas 7% do valor bruto da produção. Já a indústria da transformação paga uma carga tributária de 45%; os serviços de utilidade pública, 40%; o comércio, 36%; outros serviços privados, 23%; a construção, 14%.

Essa subtributação da exploração do petróleo indica fazer sentido a criação de um imposto sobre o direito de exportar o óleo cru, conforme já foi defendido por Sergio Gobetti e outros. O pulo do gato é que esse imposto tem uma lógica oposta aos demais porque não é repassado ao consumidor; pelo contrário, é um incentivo a reduzir o preço interno. Como os preços do petróleo são formados nos mercados internacionais, o imposto sobre a exportação resulta numa redução do lucro exigido pelo exportador para vender internamente.

Embora o preço seja cotado nos mercados internacionais, o custo de extração não é homogêneo e, no Brasil, com o pré-sal, situa-se entre os menores do mundo. Com esse imposto, a regra de preço da Petrobras pode manter a paridade internacional, descontando, porém, essa parcela de impostos. Essa alíquota deve ser flexível e escalonada de forma que o desconto tributário seja tão maior quanto maior o preço.

Assim, o imposto acaba tendo um papel regulador contra as oscilações dos preços. Essa alíquota deve ser zerada caso o preço internacional caia para um limiar, de forma a preservar o lucro normal da empresa, considerando seu (baixíssimo) custo de extração e todos os outros, inclusive os custos de importações dos derivados. No médio prazo, esse imposto é também um incentivo fiscal ao aumento da capacidade de refino e de investimentos em escoamento do gás associado.


*Economista e professora da Faculdade de Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense)

Autor/Veículo: Folha de S.Paulo - coluna Júlia de Medeiros*
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