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Raízen, BR e Ipiranga ocupam terreno por 22 anos sem pagar aluguel

Secretaria do Patrimônio da União (SPU), órgão do governo federal, detectou que um grupo formado pelas três maiores distribuidoras de combustível do país — Raízen, BR Distribuidora e Ipiranga — ocupa um terreno da União no interior de São Paulo desde 1998 sem pagar aluguel.

Tudo isso graças a um convênio assinado em 1978 com uma estatal do governo de São Paulo, a Ferrovia Paulista SA (FPSA), que foi extinta vinte anos depois. Agora, o governo federal está finalizando um processo para tentar vender o terreno às empresas e avaliar se existe alguma dívida a ser cobrada delas.

Valor é estimado em mais de R$ 30 milhões
Em agosto deste ano, a Caixa Econômica Federal fez um laudo do valor do local, a pedido da SPU, que foi calculado em R$ 31,7 milhões. Em 2014, quando deu início ao processo para tentar vender o terreno, a SPU fez uma estimativa de que valia R$ 64,2 milhões.

O terreno foi integrado ao patrimônio da União em 1998, quando foi extinta a Ferrovia Paulista SA. O prazo do convênio se encerraria no mesmo ano em que a estatal foi extinta, mas uma cláusula previa que o acordo seria renovado automaticamente caso nenhuma das partes contestasse o documento.

Em razão desse limbo jurídico, o terreno até hoje é usado por esse pool de três distribuidoras de combustível: a administradora é a Raízen (dona da marca Shell), mas o local também é usado pela BR Distribuidora e pela Ipiranga.

Contrapartida era realização de obras no local
O terreno de 239 mil m² fica no município de Ribeirão Preto (SP), próximo a uma rodovia e conectado a uma ferrovia. A contrapartida prevista no convênio era que as distribuidoras de combustível realizassem obras no local para instalar um centro de distribuição e realizasse a manutenção da sua estrutura.

O documento estipulava que as distribuidoras ocupariam o local "sem quaisquer ônus, inclusive aluguéis". As empresas afirmam que a União herdou as condições do convênio e, por isso, o documento ainda estaria válido e elas seguem cumprindo as obrigações estabelecidas.

Dizem ainda que o valor investido na construção da estrutura do local, usado como centro de distribuição de combustíveis para várias regiões do país, substituiu o pagamento de aluguel.

Procurada pelo GLOBO, a SPU afirmou que, após a avaliação do valor do terreno, a documentação do caso será enviada à consultoria jurídica do órgão para avaliar se há alguma dívida a ser cobrada dessas três empresas.

"Para a SPU contabilizar valores a cobrar, primeiramente teve que proceder as vistorias e a avaliação do imóvel. Ato contínuo submeterá a consultoria jurídica para avaliação do convênio efetuado entre a ex-RFFSA e as empresas do pool de combustível para apuração de eventuais valores devidos", escreveu a SPU.

Diversos documentos da SPU apontam dúvidas sobre a regularidade da ocupação do terreno pelas empresas, que afirmam estarem respaldadas pelo convênio firmado em 1978.
Em agosto de 2018, o então Superintendente do Patrimônio da União em São Paulo, Robson Tuma, intimou a Raízen para apresentar esclarecimentos.

Tuma escreveu que “identificou-se provável ocupação de imóvel/terreno de propriedade da União localizado à rodovia Alexandre Balbo (SP-328), Km 335, no município de Ribeirão Preto/SP, sem registro de regularidade/autorização deste órgão”.

Nesta notificação, Tuma registrou:

"Fica a notificada ciente de que, a partir da recepção da presente notificação, a utilização do bem será considerada irregular, aplicando-se as providências administrativas e judiciais necessárias à reintegração na posse do imóvel, arcando o infrator com os custos advindos dos procedimentos necessários à reconstituição da situação original".
Citou ainda que é possível a aplicação da lei 9.636/1998, a qual prevê que ocupações irregulares de terrenos da União podem resultar na cobrança de indenização "correspondente a 10% do valor atualizado do domínio pleno do terreno, por ano ou fração de ano em que a União tenha ficado privada da posse ou ocupação do imóvel".

Outro despacho, do antigo Ministério do Planejamento, datado de outubro de 2016, recomendou uma análise jurídica sobre a validade da ocupação.

"Em razão dos argumentos expostos pelos interessados na tentativa de realização de leilão, recomendamos consulta a AGU para manifestação sobre a validade do acordo firmado, lembrando que direitos e obrigações lá estipulados deixaram de ser executados pelas partes", diz o texto.

O primeiro cálculo da SPU sobre o valor do terreno levou em consideração o preço de áreas adjacentes e, a a partir disso, utilizou a média para definir uma estimativa do preço de venda. Esse cálculo foi de R$ 64,2 milhões.
Laudo impugnado
Depois disso, a Caixa Econômica Federal procedeu à realização de um laudo, por meio da empresa Sergio Abud, que chegou ao valor de R$ 31,7 milhões para o terreno — esse laudo foi impugnado pelas distribuidoras, que apontaram irregularidades na avaliação.

Agora, em agosto deste ano, a Caixa finalizou um segundo laudo, também feito por meio da mesma empresa cujo primeiro laudo foi impugnado, a Sergio Abud.

No novo cálculo, o valor do terreno foi de R$ 37,6 milhões e mais R$ 6 milhões de benfeitorias já construídas. Ou seja: a estimativa é inferior ao cálculo feito inicialmente pela SPU com base no preço dos terrenos próximos. É esse último valor que será considerado para o leilão do terreno, em fase de preparação.

"Após a notificação citada, a SPU procedeu a vistoria ao imóvel, confecção de relatório técnico e efetuou os estudos documentais do imóvel, culminando com a contratação da Caixa Econômica Federal para efetuar a avaliação do imóvel. Neste momento é verificada a viabilidade de alienação do imóvel, a partir da checagem dos documentos", afirmou a SPU.

Sobre a diminuição no valor do terreno, o órgão afirma que o primeiro cálculo da SPU foi apenas uma "estimativa de valor" e não pode ser considerado um laudo de avaliação "porque não foi efetuado segundo as normas brasileiras de avaliação, nem foi realizado por profissional habilitado. Tendo isso em vista, a SPU efeituou a contratação da Caixa".

Empresas afirmam que não há dívida pelo uso do imóvel

Procuradas, as três distribuidoras de combustíveis que ocupam o terreno desde 1978 afirmam que cumprem todos os requisitos estipulados no convênio e que, por isso, não é possível falar em dívida pela utilização do imóvel nem em irregularidades.

"A Raízen informa que ocupa regularmente a área em que se encontra localizada a sua base em Ribeirão Preto, por força do Convênio celebrado com a extinta FEPASA S.A., que teve como contrapartida à cessão da área a realização de investimentos substanciais para a construção, manutenção e operação da infraestrutura de distribuição de combustíveis na região", diz a empresa.

A Raízen acrescenta que após a dissolução da Fepasa, a operação ferroviária passou a ser feita por uma operadora privada, e portanto não houve extinção daquele modal de transporte na região. A companhia ressalta que aguarda a publicação de edital pela SPU para avaliar sua participação no leilão para a aquisição definitiva da área.

A BR Distribuidora afirmou que "a ocupação da área pelas distribuidoras é regular, respaldada em documento legitimamente firmado pelas partes por meio do qual as contrapartidas para a ocupação da área foram os investimentos realizados, operação e manutenção dos ativos. Tais obrigações são cumpridas até os dias atuais e, portanto, não há qualquer passivo a ser pago à União".

"A Ipiranga informa que opera no local, ao lado de outras distribuidoras, por meio de uma base compartilhada, administrado pela Raízen e, sobre o terreno, esclarece que atua de forma regular, com convênio assinado em 1978 para construção e manutenção do conjunto de instalações destinadas às operações de cada empresa", diz a distribuidora.

Autor/Veículo: O Globo
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