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Refinaria de fundo árabe pede a Guedes que ajude em acordo com Petrobras

O bilionário fundo árabe Mubadala, que comprou a refinaria Landulpho Alves (Rlam) da Petrobras, aproveitou as trocas de comando no Ministério de Minas e Energia e na estatal para tentar viabilizar, via governo, um acordo mais favorável na compra de petróleo —insumo necessário para produzir diesel e gasolina, carros-chefe da refinaria.

Pessoas que participam das conversas afirmam que a petroleira fechou as portas para uma negociação enquanto a refinaria tenta diminuir os preços.

Em março, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a fazer menção à Bahia em uma reclamação por ter privatizado o refino e, mesmo assim, ter visto preços dos combustíveis mais elevados. Naquele momento, o litro da gasolina chegou a R$ 8 no estado.

Com o ministro Paulo Guedes (Economia) definindo os rumos da Petrobras junto com Adolfo Sachsida — atual titular da pasta de Minas e Energia (e, anteriormente, assessor de Guedes)—, os árabes viram uma oportunidade.

Sachsida tenta resolver o problema, mas já disse a assessores ser "muito difícil" forçar a Petrobras em qualquer aspecto.

Guedes, que voltou a ter força no governo, também emplacou Caio Paes de Andrade, outro ex-assessor, como virtual novo presidente da Petrobras —o nome está em análise pela empresa e precisa ser confirmado pelo conselho.

Esse alinhamento estratégico pode favorecer a retomada de uma negociação e, segundo assessores do Planalto, Guedes passou a tratar do assunto diretamente.

Na segunda-feira (6), Guedes abriu a agenda para receber representantes do Mubadala na Acelen, empresa criada para operar a refinaria. A reclamação foi a mesma: pelo acordo de compra e venda assinado em novembro do ano passado, a Petrobras se comprometeu a fornecer —a preços de mercado— uma parte do insumo necessário para o refino.

A Acelen diz ao governo que o preço cobrado pela Petrobras supera em US$ 2 o valor cobrado por barril nas exportações da petroleira, o que seria abusivo.

Apesar de ter controle estrangeiro, a Acelen é uma empresa nacional. Não haveria, portanto, motivos para comprar o insumo como se fosse importadora. Segundo a empresa tem dito ao governo, no entanto, foi preciso importar dois navios de petróleo devido à falta do material no país.

Estima-se que a média de compra feita pela Acelen de insumos da Petrobras gire em torno de 300 mil barris por dia. Os US$ 2 a mais em cada unidade causariam, portanto, um aumento de custo da ordem de US$ 600 mil por dia —que foram repassados diretamente para o preço do diesel e da gasolina na Bahia, principal polo consumidor dos produtos da refinaria.

A guerra na Ucrânia, que fez o barril do petróleo ultrapassar a marca de US$ 100, foi outro estopim da remarcação de preços.

Desde que assumiu a unidade, os árabes tentam uma solução. Em relatos ao governo, dizem que as portas na Petrobras se fecharam definitivamente desde a saída do general Joaquim Silva e Luna (então presidente da empresa), no fim de março.

PETROBRAS NEGA ABUSO E DIZ QUE QUE HÁ OUTROS FORNECEDORES
A Petrobras nega qualquer tipo de discriminação e afirma que a Acelen não conta somente com a estatal para fornecer insumos.

"As partes são livres para negociar entre si ou com outras contrapartes, e caso esta empresa decida negociar com a Petrobras, as operações são realizadas por acordo entre as partes em condições de mercado", disse a Petrobras por meio de sua assessoria.

A petroleira informa que existem mais de 60 produtores atuando no país "dentre os quais os refinadores independentes podem adquirir petróleo sem restrições comerciais ou logísticas".

A companhia afirma ainda que a Petrobras, isoladamente, responde por menos da metade do volume de óleo disponível para comercialização no país.

"Assim, os refinadores independentes podem suprir todo seu requerimento de petróleo sem dependência da produção da Petrobras. Tal cenário configura a existência de um mercado aberto e de livre concorrência", diz a empresa.

Há quase seis meses, representantes da Acelen visitam os gabinetes dos ministérios em busca de uma saída. Recentemente, apresentaram estudos e relatórios aos dois ministros mostrando como a política da Petrobras está prejudicando sua operação e sugerindo que podem levar o caso ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) se não houver um acordo.

CADE ANALISA VÁRIAS DISPUTAS ENVOLVENDO A PETROBRAS
O órgão antitruste já analisa disputa semelhante, de autoria do Sindicato do Comércio Varejista de Derivado de Petróleo do Estado da Bahia. A petroleira coleciona quase uma dúzia de denúncias dessa natureza.

Em junho de 2019, o Cade assinou com a Petrobras um acordo que estabeleceu as regras para a venda de 8 das 13 refinarias da estatal.

Os termos foram usados como base para processo similar no mercado de gás natural.

O acordo definiu um prazo de dois anos para a venda das refinarias e criou restrições para tentar evitar a formação de monopólios regionais privados no mercado brasileiro de refino.

Um dos compromissos foi, justamente, o de que a estatal não poderia usar seu poder de mercado para praticar preços abusivos no mercado de forma a manter sua hegemonia.

A Rlam foi a primeira das refinarias da Petrobras a ser vendida dentro do acordo proposto pelo Cade como forma de estimular a concorrência. A estatal aceitou, para evitar ser punida com multas bilionárias em processos por suposto abuso de poder econômico.

Os árabes do Mubadala Capital pagaram R$ 10 bilhões pela usina e criaram a Acelen, empresa responsável pela operação. Pelo acordo, a Rlam passou a se chamar Refinaria de Mataripe.

Quando o acordo foi fechado, o então presidente da Petrobras, Silva e Luna, disse acreditar que, com novas empresas no refino, o mercado seria mais competitivo gerando benefícios para a sociedade.

"A Petrobras vai se concentrar em cinco refinarias no Sudeste [...] com planos de investimentos que a posicionará entre as melhores refinadoras do mundo", disse Silva e Luna.

O processo de venda das demais refinarias segue parado à espera de um cenário mais vantajoso.

Consultado, o presidente do Cade, Alexandre Cordeiro, afirmou à Folha que, embora sejam correlatos, os dois processos são assuntos separados.

"O processo da Acelen por suposta prática abusiva de preços não se relaciona com o acordo de venda das refinarias", disse.

Procurado, o Ministério da Economia não quis comentar. O Ministério de Minas e Energia e a Acelen não responderam até a publicação desta reportagem.

Autor/Veículo: Folha de S.Paulo
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