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Saída da Ford mostra que 'empresas não querem o ônus de produzir no Brasil', diz economist

A decisão da Ford de encerrar a produção de veículos no Brasil, fechando três fábricas, surpreendeu não só os funcionários que perderão seus empregos. A decisão foi interpretada por críticos do governo como um sinal de falta de confiança das empresas no país e na recuperação da economia.
Para o economista Alexandre Chaia, professor do Insper, é preciso considerar que a Ford passa por uma reestruturação mundial. No entanto, o fato de o Brasil ficar fora das prioridades da companhia enquanto mantém produção em países vizinhos revela como a empresa mantém interesse no mercado brasileiro, mas não quer mais produzir aqui, diz ele em entrevista ao GLOBO. "Podemos dizer hoje que o Paraguai é mais pró-business que o Brasil".

Como o senhor vê a decisão da Ford de não produzir mais no Brasil?

Primeiro temos que lembrar que é verdade que a Ford está passando por uma reestruturação mundial. Isso dentro de um momento de transformação da indústria automobilística como um todo por conta de carro elétrico.

Países como a Inglaterra estão trabalhando para não vender mais carros a combustível fóssil até 2030, Europa querendo eliminar postos de gasolina, e a Ford faz parte de uma indústria antiga, quando você pensa em automóvel você pensa em Ford.

A Ford está com problemas para se ajustar a esse novo mundo, não apenas no Brasil. Mas decidir fechar a fábrica no Brasil, e manter a produção nos países vizinhos, tem muito a ver com o que está acontecendo no Brasil.

A tributação é um problema, o país está com renda estagnada há seis anos. A empresa não está abandonando o Brasil, a ela interessa manter o mercado brasileiro, mas não produzir aqui. O Brasil está fora das cadeias globais de produção, embora continue na cadeia global de consumo.

Faz sentido para a montadora transferir a produção para países vizinhos?

É mais vantajoso ir para países que dão melhores condições fiscais e junto a isso você tem o acordo com o Mercosul. Ou o Brasil reforma sua parte tributária e começa a reduzir o peso do estado na economia ou você vai ter cada vez mais indústrias, que tem capacidade de criar escalas globais, saindo do país, produzindo em outros países e apenas vendendo seus produtos aqui.

A decisão da Ford foi uma surpresa por ter sido inesperada, mas não foi nenhuma decisão fora de contexto, não foi um fato isolado, faz parte da perda econômica do Brasil, com a estagnação de renda, sistema tributário, Custo Brasil, incertezas jurídica, idas e vindas políticas. Tudo isso impacta na decisão da empresa.

É melhor produzir na Argentina hoje do que no Brasil?

Eles dão mais vantagens fiscais e têm uma situação comparativa melhor. Na região isso é uma realidade. Podemos dizer hoje que o Paraguai é mais “pró-business” que o Brasil. A Argentina tem uma tributação menor para a indústria automobilística que o Brasil.

Podemos esperar mais montadoras saindo do país?

Essa decisão foi uma combinação de uma transição do setor, dificuldades da Ford e Custo Brasil. Não acho que a Ford pode ser a única, mas foi a primeira por estar sofrendo mais que as outras, nesta mudança para este novo mundo automobilístico. As indústrias coreanas, japonesas, mesmo as europeias, estão se adaptando mais rápido que as americanas.

Qual o alerta que isso dá para a equipe econômica do governo Bolsonaro?

Para a área econômica é importante lembrar que não se trata apenas das fábricas em si, a cadeia de produção é grande e os impactos serão fortes. Ela alavanca a economia. A indústria automobilística é muito subsidiada, tem subsídios que não há no mundo inteiro. Há um problema estrutural na indústria automobilística de custo, de sobretaxa.

Mas a equipe econômica tem que olhar de forma mais ampla, porque cada vez mais há indústrias brasileiras saindo do país, indo para o Paraguai, Uruguai. O Brasil é um mercado consumidor importante, mas as empresas não querem o ônus de produzir aqui. A Reforma trabalhista ajudou, mas a reforma tributária não andou. As reformas têm que voltar à tona, ou vamos perder cada vez mais indústrias.

Qual o impacto, em termos de imagem, para a indústria brasileira?

A Ford é um símbolo. Isso é um alerta. É importante do ponto de vista de imagem, mais que no impacto direto desta decisão específica da Ford na economia brasileira, que é diversificada, tem o agronegócio, tem petróleo. Mas é um alerta.

Autor/Veículo: O Globo
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