Notícias

Salário desigual para mulher terá multa de 10 vezes o maior valor pago pela empresa

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou um projeto de lei que penaliza com multas equivalentes a dez vezes o maior valor pago pelo empregador empresas que pagarem salários maiores para homens do que para mulheres exercendo a mesma função.

A proposta foi anunciada oficialmente durante cerimônia no Palácio do Planalto nesta quarta-feira (8) em alusão ao Dia da Mulher, em que foi apresentado um pacote de medidas. O projeto ainda será analisado pelo Congresso.

O texto prevê que o pagamento da multa à justiça ocorrerá na hipótese de comprovada a discriminação "por motivo de gênero, raça ou etnia", e que o valor será 100% maior no caso de reincidência.

Atualmente, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) já prevê pagamento de multa para casos de remunerações desiguais, mas com algumas diferenças. Primeiro, o texto falava em "sexo e etnia". Segundo, o pagamento da multa tinha um outro cálculo: 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, além da própria diferença salarial.

A mudança na lei, além de propor uma multa mais amarga, diz textualmente que é obrigatória remuneração igual a homens e mulheres no mesmo cargo, com as mesmas condições.

"Fizemos questão de colocar a palavra 'obrigatoriedade' de cumprir a lei pra que efetivamente no serviço público, nos escritórios, nos bancos, nas lojas, nas fábricas, ninguém ganhe menos apenas pelo fato de ser mulher", disse Lula, durante a cerimônia.

Ao contrário do que prevê a CLT, que garante à empregada discriminada o valor da multa, no texto do governo, o montante vai para o erário. Há, contudo, a possibilidade do pagamento de indenização por danos morais à empregada.

De acordo com auxiliares palacianos, a multa não ficaria com a mulher por temor de estimular condutas possivelmente simuladas, uma vez que o valor é muito alto. O que poderia também aumentar a judicialização em torno desses temas.

Existe ainda a previsão de o juiz conceder medida liminar, caso fique comprovada a discriminação remuneratória, antes do término do processo.

Além disso, a medida do Lula 3 também determina que empresas com mais de 20 funcionários deverão divulgar relatórios de transparência salarial e remuneratória de homens e mulheres, observando as leis de proteção de dados.

Caso descumpra essa determinação, a empresa pagará multa de cinco vezes o valor do maior salário pago pela empresa.

A proposta foi apresentada pelo governo federal, porque, na prática, a lei não é cumprida. Antes da divulgação do texto, logo após o evento, a ministra Simone Tebet (MDB), do Planejamento, antecipou alguns detalhes sobre o projeto.

"O Congresso Nacional vai deliberar, mas a multa representa, num primeiro momento, dez vezes o maior valor pago na empresa. Isso, ao lado de empregadores que têm mais de 20 empregados, terá de estar ao lado da transparência dessas faixas salariais, para que o Ministério do Trabalho possa ter, através do seu protocolo, capacidade de fiscalização", disse Simone a jornalistas.

A ministra rechaçou a ideia de que a ação possa reduzir a contratação de mulheres, o que chamou de discurso misógino. "Se algum empregador estiver discriminando mulheres, se for fator para que não contrate mulher, não vai faltar empresas séria, responsável, para contratar mulheres".

Tebet fala sobre o assunto porque a ideia foi sua bandeira de campanha à Presidência no ano passado e acabou incorporada pela campanha do petista.

Além do projeto de lei da obrigatoriedade de igualdade salarial, Lula anunciou na cerimônia várias medidas voltadas a mulheres, parte delas antecipada pela Folha.

Dentre as ações, há um edital do programa Organização Produtiva Econômica das Mulheres Rurais, com R$ 50 milhões de investimento e perspectiva de atender até 20 mil mulheres.

O Banco do Brasil lançará cinco carretas do Agro Mulher para percorrer o país, com crédito diferenciado para mulheres.

A Caixa Econômica Federal, por sua vez, fará o programa Mulheres na Favela, para qualificar mulheres em três laboratórios de inovação social no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. O BNDES lançará o Projeto Garagem, com aceleração de startups lideradas por mulheres.

Um dos decretos assinados pelo chefe do Executivo prevê a Política Nacional de Inclusão, Permanência e Ascensão de Meninas e Mulheres na Ciência, Tecnologia e Inovação. De acordo com o Palácio do Planalto, o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) abrirá uma chamada pública voltada para mulheres nas áreas de ciências exatas, engenharia e computação, no valor de R$ 100 milhões.

Também foi assinado um decreto que determina a licença-maternidade para integrantes do Bolsa Atleta. O texto, de acordo com o governo, garante o recebimento regular das parcelas do programa voltado para atletas de alto desempenho até que a beneficiária possa iniciar ou retomar a atividade esportiva.

Lula assinou ainda um decreto que regulamenta a distribuição gratuita de absorventes pelo SUS (Sistema Único de Saúde), que já foi determinada pelo Congresso Nacional no ano passado. O governo federal prevê R$ 418 milhões por ano para a ação de dignidade menstrual.

Foi anunciada também a proposta de criar o Dia Nacional Marielle Franco e a construção de 40 Casas da Mulher Brasileira e oficinas de fabricação de absorventes em presídios femininos.

O governo também ratificará a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratado que amplia conceitos de assédio sexual e moral no trabalho.

Além de as mulheres representarem mais da metade da população, há um componente político-eleitoral no incentivo a essas medidas. Durante as eleições, Lula foi beneficiado pela alta rejeição das mulheres contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Por isso, ele credita parte da sua vitória a essa fatia do eleitorado. Ele tem dado destaque a elas em seus discursos e quer aproveitar março para reforçar essa mensagem.

É também este segmento da sociedade que tem dado avaliações mais positivas à sua gestão. De acordo com a última pesquisa da Quaest, divulgada no final de fevereiro, 44% das mulheres avaliam como positivo o governo Lula 3, enquanto dentre os homens, é de 37%.

O levantamento entrevistou 2.016 pessoas entre os dias 10 e 13 de fevereiro.

Na noite de quarta-feira, a Câmara ainda aprovou quatro propostas levantadas pela bancada feminina.

A Casa aprovou projeto de lei que prevê prisão de dois a seis anos para quem condicionar a prestação de serviços à prática de ato sexual. O texto diz ainda que, caso a atividade sexual seja realizada, a pena passará a ser reclusão de seis a dez anos.

O PL é de autoria da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e do ex-deputado Felipe Rigoni (União Brasil-ES). A iniciativa pretende coibir que pessoas em posições de poder ofereçam seus serviços para alguém em troca de atos sexuais. O texto agora seguirá para análise do Senado.

A Câmara ainda aprovou uma proposta que determina que operadoras de plano de saúde garantam o tratamento de reconstrução das mamas de mulheres que passaram por mutilação durante o tratamento de câncer.

O texto, que segue para sanção presidencial, ainda garante que a substituição ocorrerá sempre que houver complicações ou efeitos adversos relacionados ao implante mamário. O prazo para o procedimento cirúrgico é de 30 dias após a indicação de médico para realizá-lo.

O terceiro projeto aprovado prevê a criação do selo Empresa Amiga da Mulher. Ele será concedido a empresas que reservarem pelo menos 2% de seu quadro de pessoal à contratação de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

O selo ainda exige que as empresas possuam políticas de ampliação de participação de mulheres em cargos da alta administração da sociedade e adotem práticas educativas dos direitos das mulheres. A proposta ainda será analisada pelo Senado.

A relatora do projeto, deputada federal Érika Kokay (PT-DF), manteve o trecho que causava conflito entre a base e a oposição. Ele determina que, em caso de empate entre empresas numa licitação, a companhia que tiver o selo Amiga da Mulher terá vantagem para a contratação pública.

A última proposta aprovada cria a Campanha Nacional de Prevenção da Exposição Indevida ao Sol. O objetivo, segundo o texto, é conscientizar especialmente as mulheres sobre os riscos da exposição excessiva ao sol —que pode causar lúpus, doença que acomete majoritariamente mulheres.

Autor/Veículo: Folha de S.Paulo
Compartilhe: