Setor põe em dúvida plano para gás
As medidas do governo encabeças pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para tentar baratear o preço do gás natural no País não terão efeito no curto prazo ou no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A principal aposta do governo, de forçar uma redução na reinjeção de gás natural nos campos de petróleo em exploração, enfrenta limitações técnicas e econômicas, afirmam as empresas que atuam no setor de óleo e gás.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se manifestou. Ontem, em evento no Rio, Silveira criticou a prática das petroleiras. “Não aceitamos reinjetar a metade da produção offshore dessa riqueza tão preciosa para a nossa gente. Priorizamos políticas que estimulam a reindustrialização do Brasil. Sem dúvidas, isso passa pela ampliação da oferta de gás natural, da segurança de suprimento e da competitividade dos preços”, disse ele. Na plateia estavam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Magda Chambriard, que comanda a Petrobras.
BÚZIOS E BACALHAU. As duas mais importantes áreas de exploração de óleo e gás dos próximos anos são operadas pela Petrobras e pela Equinor na Bacia de Santos – os campos de Búzios e de Bacalhau.
Procurada, a Petrobras informou que tem 14 plataformas encomendadas no plano de investimentos até 2028. Destas, apenas três são dedicadas exclusivamente para ampliar a extração de gás natural e seis foram desenhadas para extrair apenas petróleo.
A primeira plataforma da Equinor em Bacalhau, que começa a produzir em 2025, extrai só petróleo. “A decisão de investimento, de cerca de US$ 8 bilhões, foi tomada em junho de 2021, num momento de muita incerteza no mercado de gás”, diz a empresa.
Mudanças em campos já em produção levariam anos, diz entidade do setor
Decreto baixado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há 15 dias determina que os planos de desenvolvimento de campos de exploração, inclusive os já em operação e os maduros, sejam revistos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Nessa reavaliação, a ANP poderá determinar a redução da reinjeção e estabelecer um volume de gás natural a ser extraído obrigatoriamente. Caso as empresas não cumpram a determinação, o decreto fala em sanções contratuais e legais contra as empresas.
A reinjeção de gás é benéfica para as petroleiras porque aumenta a pressão nos reservatórios – o que faz com que o petróleo seja retirado mais rapidamente. Em campos no pré-sal, que ficam em águas ultraprofundas, a medida é considerada indispensável para a retirada do óleo. Mas a ideia do governo é limitar a reinjeção, para que mais gás seja enviado até a costa, para aumentar da oferta e reduzir os preços.
O problema, explicam executivos do setor, é que cada plataforma de petróleo é customizada para cada campo, seguindo os planos de desenvolvimento de produção aprovados pela ANP. Ou seja, o porcentual de gás que será extraído em alto-mar e levado até à costa já é pré-determinado durante a construção da plataforma, com equipamentos específicos para este fim.
REVERSÃO É CARA. Uma plataforma de petróleo custa cerca de US$ 3 bilhões e leva até três anos para ser construída. Os relatos no setor são de que nunca houve um único caso de uma plataforma que tenha interrompido a produção para ser refeita em estaleiros de países como China, Coreia do Sul e Cingapura.
Embora o decreto preveja que as empresas sejam ouvidas nesse processo de revisão e que a viabilidade seja levada em conta, as petroleiras avaliam que o texto tem potencial de gerar insegurança jurídica e elevar a percepção de risco entre investidores.
Segundo Sylvie D’Apote, diretora executiva de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), associação que reúne as petroleiras, o decreto torna potencialmente afetados todos os campos em produção. “A gente sabe que a ANP tem muitas atribuições e já está atrasada na agenda regulatória de gás, e agora vai ter mais atribuições. Quantos planos serão reabertos? Potencialmente, é um número importante de campos, não somente os do pré-sal”, diz ela. “Nossa preocupação não é com os campos futuros, daqui a dez anos; porque nestes, se você ainda não tiver a sua decisão de investimento, se não tiver contratado as infraestruturas, ok. Mas tem campos que vão entrar em operação.”
A executiva observa ainda que o próprio processo de revisão de planos de desenvolvimento não é tarefa fácil. Nesses planos, as empresas entregam para a ANP detalhes sobre como e em quanto tempo pretendem explorar os reservatórios obtidos por meio de concessão ou permissão. E uma revisão demandará novos estudos e investimentos.
“É muito difícil modificar um projeto já existente ou que a infraestrutura já tenha sido contratada. Pode significar meses de adiamento para entrar em operação ou, se tiver que modificar a plataforma, vai perder meses de produção de petróleo. Se tecnicamente for possível fazer isso, economicamente vai gerar muitos custos”, afirma ela.
‘PROCESSO LEVA ANOS’. Edmar Almeida, pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio, afirma que as revisões dos planos, mesmo que sejam feitas de forma célere, não ocorreriam no médio prazo. “A revisão de um processo de desenvolvimento leva um ano, talvez mais. Depois que você revisou e colocou algo a mais no plano, pode levar mais alguns anos para implementar. Então, nós estamos falando de um horizonte para além desse governo, com certeza. Pelo menos para além deste mandato (de Lula)”, afirma. “Nos próximos cinco, seis anos, vão entrar em operação as plataformas já encomendadas. Pode ficar mais barato comprar o gás do que modificar as atuais plataformas.”
Desde que o decreto foi publicado, em 26 de agosto, o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, não se reuniu com representantes do setor de petróleo para discutir a medida. Auxiliares de Silveira dizem que, apesar da recepção negativa, o intuito do governo não é alterar planos já em curso ou quebrar contratos, mas mudar as regras para o futuro.
Até o fim deste mês, a Petrobras inicia a operação de um duto de escoamento na Bacia de Santos, que aumentará a oferta de gás no País. Maior iniciativa para aumentar a oferta de gás no País, o Rota 3 terá capacidade inicial é de 10,5 milhões de metros cúbicos por dia, o equivalente a 18% da demanda do País, de acordo com dados de abril (os mais recentes). O projeto começou em 2014 e atrasou em razão de dificuldades financeiras e operacionais para se concluir a obra, então tocada pela Odebrecht.