Transição para carros 100% elétricos não deve desvalorizar híbridos, diz presidente da Volvo
O futuro da Volvo é 100% elétrico, e essa realidade não está distante. A montadora de origem sueca, que desde 2010 pertence à chinesa Geely, acelera a transição em sua linha de produtos e lança agora o hatch médio EX30 no Brasil.
Com preço a partir de R$ 229.950, o carro coloca a empresa para disputar mercado entre modelos híbridos ou flex de marcas como Volkswagen, Honda, Jeep, Toyota, GWM e BYD.
A estratégia traz riscos em meio à ressaca dos carros a bateria, cujas vendas desaceleram na Europa e nos EUA. Marcelo Godoy, presidente da Volvo Car Brasil, avalia o posicionamento global da empresa e revela planos para o mercado nacional.
A Volvo tem persistido na transição plena para modelos puramente elétricos, enquanto outras montadoras revisam seus planos e se voltam para carros híbridos. Haverá alguma revisão da estratégia?
A estratégia global ainda se mantém intacta, estamos à frente desse processo de eletrificação. Talvez alguns ainda estejam um pouco para trás no processo para vender carros elétricos. Existe a questão do endividamento de algumas empresas, que não conseguem fazer investimentos.
A Volvo está saudável financeiramente?
Sim, e o grande ponto é que a Volvo já fez esses investimentos.
Acho que a demanda por carros elétricos ainda existe, e é alta. Ficou um pouco abaixo do que foi colocado como uma previsão no passado? Sim, mas o cliente ainda procura por carros elétricos.
Para ter como referência, vi uma pesquisa da consultoria BCG nos Estados Unidos. Os possíveis novos compradores colocam que, caso as empresas consigam atingir três itens –que são autonomia das baterias, pontos de carregamento e preço–, eles estarão aptos a comprar o carro elétrico.
Hoje, no Brasil, temos de dar muitas entrevistas sobre a bateria, que ainda é um empecilho na compra do carro elétrico. Só que, há três anos, falávamos em preços. Muitos acreditavam que esses modelos não iriam funcionar porque eram mais caros do que os automóveis a combustão. Hoje, geralmente, o elétrico tem o mesmo preço ou até mais baixo. Então, já passamos dessa onda.
Por pertencer a uma empresa chinesa, a Geely, é possível imaginar que os custos de produção da Volvo sejam menores que os de concorrentes diretos. É isso mesmo?
Sim, e o novo EX30 é uma prova disso. É um carro com uma tecnologia incrível e custos bem diluídos, bastante atrativo do ponto de vista financeiro para a empresa e para o cliente.
Considerando a inflação, seria esse o carro mais em conta que a Volvo já vendeu no mercado brasileiro?
Em valores nominais, sim, é o carro mais acessível dentro do padrão Volvo na história.
Esse modelo será feito em outros países ou toda a produção vai ser concentrada na China?
Hoje, o EX30 é produzido na China, mas tem previsão de ser construído também em nossa fábrica na Bélgica.
A produção na Bélgica será destinada para mercados da Europa e dos EUA, que têm anunciado restrições a veículos importados da China?
Exatamente. Acho que o antigo presidente da Volvo teve uma decisão muito acertada, que foi colocar pelo menos uma fábrica em cada continente para termos flexibilidade e podermos mexer a alocação conforme a competição e diante do aumento de impostos.
Onde fica a fábrica das Américas?
Nos Estados Unidos.
Alguma previsão de uma fábrica na América Latina?
Não existe nada para a América Latina, por enquanto.
A Volvo do Brasil tem alguma preocupação de o programa Mover [Mobilidade Verde e Sustentabilidade], que vai estimular a produção local, apresentar algum tipo de restrição a modelos importados, mesmo que sejam elétricos?
Não. Estudamos o Mover a fundo, o programa é muito focado nas empresas que vão produzir, mas não é detrator de quem quer importar, principalmente se os carros forem elétricos. A questão ambiental no país é um assunto muito caro, e todo mundo está de olho nisso.
Tenho participado bastante de discussões com o governo pela Abeifa (associação dos importadores de veículos). A ideia de todos é fazer algo equilibrado e que não penalize nenhuma das indústrias, não favoreça uma em detrimento de outra.
A paralisação dos servidores ambientais tem sido um problema para os importadores que trazem carros com motor a combustão. A Volvo ainda oferece opções desse tipo, os SUVs híbridos XC60 e XC90. A marca foi impactada?
Ainda temos estoques desses modelos, antecipamos a produção por conta do aumento do imposto de importação. Por enquanto, está tudo bem.
Diante da transição anunciada para os modelos 100% elétricos, a Volvo do Brasil tem percebido algum temor dos clientes que hoje compram os carros híbridos da marca? De certa forma, o fim desses modelos já está decretado.
Não vemos isso ainda, e vou dar um exemplo. O XC90 será um novo carro, que estreia no ano que vem, e é impressionante como ainda tem uma atratividade excelente. E o XC60 é líder da categoria há alguns anos.
Qual é o carro mais vendido da Volvo hoje no Brasil?
É o XC60.
O fato de o mais vendido ser um modelo híbrido não gera dúvida sobre a estratégia de ter apenas veículos puramente elétricos? A Volvo não tem receio de perder mercado?
É um ponto que temos que direcionar. Eu ainda nem trabalhava na Volvo [quando o XC60 foi lançado], mas esse carro era mais forte que a própria marca. Hoje ainda é fortíssimo, mas eu posso falar que [a transição para elétricos] não assusta.
Fizemos esse movimento no segmento de entrada, onde tínhamos o XC40 PHEV [híbrido plug-in]. Tinha um apelo comercial muito grande, mas não teríamos mais o carro. Fomos em frente e, mesmo assim, somos vice-líderes nesse segmento, em que um dos alemães [BMW] tem fábrica no Brasil e joga pesado.
Com a chegada do novo XC60, o elétrico, as duas opções vão conviver bem, e o valor residual vai continuar intacto.
Quando a Geely comprou a marca Volvo, em 2010, as montadoras chinesas não tinham nenhum status. Agora, os chineses são referência quando se fala de eletrificação. Como foi para a Volvo passar por esse processo de transição?
A Geely comprou a Volvo por uma massa de ativos e por ser uma marca forte. Ela decidiu, naquele momento, que não interviria na questão da marca e ajudaria a Volvo em questões como diluir os custos e entregar produtos bons. Foi uma estratégia acertada.
O produto chinês, hoje, tem tanta tecnologia quanto qualquer outro. Ficou para trás isso de ter uma qualidade secundária, não existe mais.
A infraestrutura de recarga é um problema que limita a expansão dos carros elétricos no Brasil. O que é necessário fazer para que a venda desses modelos ocorra para além dos grandes centros?
A Volvo vem colocando carregadores nas ruas, acho que essa é uma função das montadoras. Acredito no investimento privado para esses pontos de carregamento, seja feito pela própria indústria automobilística, seja por meio de novos entrantes nesse segmento. O dinheiro de impostos deve ser deslocado para outras coisas.
A Volvo conseguiu criar 36 rotas de até 2.000 quilômetros, estamos dando um conforto maior para o cliente fazer suas viagens. Isso virou uma unidade de negócios dentro da empresa.
E não é só instalar um carregador, é preciso instalar e fazer a manutenção para que continue operando de forma coerente, porque um carregador quebrado é pior do que não ter um. E hoje a Volvo faz isso, a gente não vê nenhuma outra montadora de veículos fazendo.
É a história do ovo ou da galinha. Primeiro você tem a quantidade de carros na rua e depois cria uma infraestrutura, ou é o inverso? A gente acredita que, realmente, é o inverso. Entre 80% e 90% dos carregamentos são feitos nas residências, mas é importante dar um conforto para o cliente se ele quiser pegar o seu carro e ir para o litoral norte de São Paulo. É uma obrigação das montadoras, e a Volvo entendeu isso como diferencial.
Com o EX30, a Volvo vai passar a atuar em uma faixa de preço em que estão produtos de marcas como Volkswagen, Jeep e Toyota, além das chinesas BYD e GWM. Essa nova disputa passa pelos custos de manutenção e seguro, que, geralmente, são maiores nos carros premium. O que a empresa vai fazer para conseguir atrair novos clientes?
Hoje podemos falar que o carro elétrico tem um excelente custo-benefício, com gastos de manutenção baixos, além de não pagar IPVA em algumas cidades.
O carro elétrico é uma boa opção se o usuário conseguir ter um carregador na sua casa, mesmo que pague pela energia. Outro ponto é a matriz energética do Brasil, muito limpa. Temos que aproveitar isso.