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Transições energéticas levam décadas, não anos

* Adriano Pires -

Os movimentos de grande turbulência que têm ocorrido no mercado de energia nas últimas semanas têm provocado elevações surreais nos preços. Isso nos lembra os eventos do primeiro e do segundo choques do petróleo. Naquela ocasião, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), liderada pela Arábia Saudita, quadruplicou em 1973 o preço do barril de petróleo, e em 1979 o duplicou. As consequências para a economia foram a queda no crescimento econômico e o aumento da inflação em escala global. A reação do governo americano foi a duplicação da taxa de juros, conhecida como o contrachoque do petróleo.

Os preços da energia e do gás estão batendo novos recordes, e algumas empresas de uso intensivo de energia fecharam temporariamente as operações porque estão se tornando muito caras para operar. Nos países desenvolvidos, os preços da energia subiram 18% em agosto, o ritmo mais rápido desde 2008.

Na Europa, o gás natural está sendo negociado ao equivalente a US$ 230 o barril, se fizermos a equivalência com o petróleo – mais de 130% desde o início de setembro e mais de oito vezes superior à mesma época de 2020.

No Leste Asiático, o custo do gás natural aumentou 85% desde o início de setembro, atingindo cerca de US$ 204 por barril equivalente de petróleo. Nos EUA, o gás subiu 47% desde o início de agosto, representando os níveis mais altos em 13 anos.

A disputa para garantir o gás natural, o combustível fóssil mais limpo, também está elevando o preço do carvão e do petróleo. A crise de energia na Índia, desencadeada pela diminuição das reservas de carvão, responsáveis pela geração de 70% da eletricidade do país, ameaça operações de negócios ligados a commodities que vão de refinarias de petróleo até fundição de alumínio e processamento de carne.

Segundo o Goldman Sachs, cerca de 44% da atividade industrial na China está sendo impactada pela falta de energia. No Reino Unido, dez empresas já faliram desde o início de agosto e especula-se que mais fornecedores de energia entrem em colapso como resultado da extrema volatilidade nos mercados de gás. Com os preços do gás e o do petróleo subindo ainda mais no inverno, as desigualdades sociais serão mostradas de forma dramática, expondo na União Europeia a parte da sociedade mais vulnerável com a escolha heat or eat.

Líderes políticos europeus estão cientes do impacto que a crise energética está tendo sobre seus cidadãos e começam a criar pacotes de ajuda para famílias de baixa renda. Na França, o governo está fornecendo subsídios em forma de “cheque de energia” no valor de ¤ 580 milhões, além de um auxílio para o preço do gás que custará mais de ¤ 4 bilhões. Na Itália, por causa do aumento da conta de luz de 30% ainda este mês, o governo pôs em prática um pacote de mais de ¤ 3 bilhões para tentar conter os aumentos de preços no último trimestre do ano. A Espanha está canalizando cerca de ¤ 2,6 bilhões de impostos para reduzir o preço da energia. Na Bélgica, o regulador de energia do país disse recentemente que as contas anuais de gás e eletricidade teriam um aumento esperado de mais de ¤ 700 por residência. O Reino Unido anunciou um pacote de 500 milhões de libras (US$ 680 milhões) em medidas para ajudar as famílias

Sonho da transição se choca com a realidade de que o mundo ainda depende muito de combustíveis fósseis

mais pobres.

A história parece estar se repetindo: volta da inflação, elevação de juros e uma possível recessão em 2022. Energia mais cara é inflação subindo e queda na retomada do crescimento econômico. Ao invés de a Opep utilizando seu poder de cartel para elevar os preços do barril do petróleo, temos agora o lobby dos ambientalistas condenando e demonizando os combustíveis fósseis de maneira açodada, provocando um colapso no mercado de energia. Nos choques do petróleo tínhamos o todo-poderoso Sheik Yamani, agora, a ícone do movimento ambientalista Greta Thunberg.

A transição energética requer ver o mundo como ele é, não como queremos que seja. O sonho da transição energética se choca com uma realidade nada simples. O mundo ainda depende muito de combustíveis fósseis. Em duas semanas haverá a COP-26 em Glasgow, momento para repensar. O fato é que transições energéticas se fazem em décadas, e não em anos.

* Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie)

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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