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'Uma terceira onda não deve deter a economia'

Até fevereiro, o clima entre os economistas era de pessimismo geral. Aos poucos, durante o último mês do primeiro trimestre, isso foi mudando, conforme saíam dados que indicavam que a atividade econômica ganhava tração. Esse movimento culminou com a divulgação, ontem, do resultado do Produto Interno Bruto (PIB), que cresceu 1,2% no primeiro semestre. Entre os fatores que fizeram mudar o panorama econômico, estão o impulso decorrente do crescimento dos Estados Unidos e da China e a ineficácia das medidas de isolamento social, diz a economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria. A seguir, os principais trechos da entrevista.

• Houve um momento no primeiro trimestre em que parecia que a economia ia se deteriorar ainda mais. O que aconteceu para esse cenário mudar?

Nós, na Tendências, também estávamos entre os mais cautelosos com a atividade econômica. Tínhamos uma projeção de queda de 0,6% no PIB do primeiro trimestre, depois atualizamos para alta de 1%. Teve uma surpresa com a resiliência da economia brasileira nesses primeiros meses do ano. Tínhamos alguns fatores de preocupação: o fim do auxílio emergencial até março e o efeito disso no consumo, ao lado das pressões inflacionárias em itens muito sensíveis na cesta de consumo, como alimentação e combustível. Ao mesmo tempo, havia uma incerteza grande em relação à situação fiscal, com aquele imbróglio no Orçamento limitando o apetite para decisões de consumo e investimento. Demos muito peso para esses elementos. Talvez tenhamos subestimado algumas coisas. O primeiro fator importante é o cenário externo: a melhora na China, nos Estados Unidos e também na Europa, mas aí um pouco menos. Isso teve um efeito importante para as economias emergentes. No investimento, também houve um efeito positivo nas linhas relacionadas à agropecuária e ao transporte. Outro ponto é que as medidas de isolamento tiveram menor eficácia.

• Estamos, então, crescendo à custa de mortes? Ou por que as exportações de commodities estão em alta graças às economias chinesa e americana?

Do lado externo, há um suporte importante. Quando EUA crescem 6,5% e China, 8,5% ao ano, o efeito na gente é grande tanto do ponto de vista de commodities como do de manufaturados. Nesse primeiro trimestre, a agropecuária puxou o crescimento na margem, e muito baseado na soja. A indústria extrativa também ajudou. Mas também tem, sim, a questão de as medidas de isolamento terem menos eficiência, e o reflexo disso aparece no número de mortes.

• O PIB cresceu, em parte, porque não houve uma redução significativa da circulação de pessoas. Isso dá espaço para o contágio do coronavírus se acelerar novamente. Qual impacto podemos esperar da pandemia na economia nos próximos trimestres? À luz do que a gente aprendeu nesse começo de ano, tenderia a achar que os efeitos de uma terceira onda para a economia devem ser similares aos do primeiro trimestre. Está cada vez mais difícil levar as pessoas ao isolamento. Uma terceira onda aparece como risco no sentido de limitar a expansão da economia, mas vemos esse efeito perdendo força para trazer atividade econômica muito para baixo. Além desse risco, temos outros: o ritmo de vacinação lento e a questão energética. Todos esses elementos parecem mais como limitadores, mas não como fatores que vão mudar dramaticamente o cenário de crescimento deste ano.

• A Selic em um patamar baixo ajudou a economia no primeiro trimestre. O Banco Central, porém, começou a elevá-la. Essa mudança pode segurar a economia no fim do ano?

Mesmo com a mudança na política monetária, ela continuará estimulativa. Vai dar menos suporte para a economia, mas ainda vai dar. O juro neutro hoje é estimado entre 6,5% e 7% por algumas casas.

Países que combateram covid cresceram mais, indica ranking
Países que combateram a pandemia de covid-19 com vigor e concederam incentivos fiscais significativos ocupam as primeiras posições de um ranking do crescimento econômico neste início do ano. A avaliação é do economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, que elaborou o ranking considerando o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre.

Pelo levantamentoda Austin, o Brasil perdeu sete posições na passagem do último trimestre do ano passado para o primeiro deste ano, caindo para o 19.º lugar, numa lista de 50 economias que já divulgaram seus resultados. Para o economista, o País só conseguiu se manter nesta posição por conta da alta do preço das commodities e pela maior demanda da China – que tiveram impacto positivo nos negócios das empresas exportadoras brasileiras.

Lideram a lista Croácia (crescimento de 5,8% sobre o quarto trimestre de 2020), Hong Kong (5,4%), Estônia (4,8%), Chile (3,2%) e Cingapura (3,1%). Na América do Sul, a Colômbia também ficou à frente do Brasil, com avanço do PIB de 2,9% no período. O Brasil cresceu 1,2% no primeiro trimestre, ante o quarto do ano passado, informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“O PIB do Brasil só foi bom porque o preço das commodities (matérias-primas com cotação internacional) está no maior nível desde 2009”, disse Agostini ao Estadão/broadcast. “O resultado do PIB no primeiro trimestre não reflete a nossa realidade doméstica, que é uma recuperação ainda descompassada, muito do lado da produção para o exterior e menos para o consumo doméstico, que está acontecendo ainda em passos lentos”, completou o economista.

Após os dados divulgados ontem, vários analistas do mercado financeiro revisaram para cima suas projeções para o crescimento econômico em 2021, mas a Austin Rating manteve inalterada sua estimativa, de 3,3%. Para 2022, a agência de classificação de risco espera crescimento de 3%.

Segundo Agostini, apesar de indicações de um maior crescimento em 2021, algumas incertezas ainda estão na mesa, como possíveis novas altas da taxa básica de juros (a Selic, hoje em 3,5% ao ano); os efeitos da crise hídrica; o processo lento de imunização contra o covid19; a forte elevação dos custos de produção, com destaque para as altas recordes dos preços das commodities; o cenário fiscal ainda fragilizado; e a redução dos estímulos monetários nas economias desenvolvidas.

Autor/Veículo: O Estado de S.Paulo
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