Menos anidro para garantir mais etanol

Menos anidro para garantir mais etanol

A partir do primeiro dia deste mês, o percentual de anidro na gasolina passa de 25% para 20%, como determinado no final de agosto pelo governo. Embora a grande preocupação do consumidor e da imprensa seja com preço, a expectativa é de que a mudança não traga impactos significativos neste aspecto, com exceção dos estados da Bahia, Rio Grande do Sul e São Paulo, onde é esperado um pequeno aumento no custo da gasolina. Até o momento em que escrevia este artigo, o governo não havia anunciado qualquer alteração na Cide ou no Pis/Cofins, como tradicionalmente faz quando mexe no percentual de anidro. Apesar do preço dos combustíveis ser uma preocupação do governo, a principal dor de cabeça neste momento é garantir o abastecimento nacional. Em plena safra, vimos o etanol seguir caro, custando nas usinas quase 40% a mais do que se pagava há um ano pelo mesmo litro de anidro ou hidratado. E a tendência é o problema se agravar nos próximos meses, à medida que se aproxima o período de entressafra e se reduz a disponibilidade do produto. Embora a medida não tenha agradado o setor produtor, a diminuição no percentual era necessária para tentar reduzir a pressão sobre os (poucos) estoques e evitar não só uma nova disparada de preços durante a entressafra, mas também a escassez de produto. Importações tanto de anidro como de gasolina já estão sendo contratadas e a boa notícia é que, desta vez, o etanol comprado lá fora, com antecedência, virá com a especificação brasileira, ao contrário do que aconteceu no início do ano, quando o país precisou importar emergencialmente anidro com a especificação norte-americana (com mais água), o que gerou receios de problemas de não-conformidade. A má notícia é que essa crise do etanol não deve se resolver no médio prazo, já que a oferta está muito aquém da demanda, e, na melhor das hipóteses, novos investimentos feitos hoje incrementariam a produção somente a partir de 2015. Infelizmente, o que vemos no horizonte não é um dos cenários mais positivos. A crise nos Estados Unidos e na Europa ameaça trazer outro período de incertezas e redução do crédito, de forma muito semelhante ao que aconteceu em 2008, quando as linhas secaram e os investimentos foram suspensos. De lá para cá, as usinas viram seus custos de produção subirem (como todos nós sentimos em nossos negócios, em meio à alta de salários, dos serviços e dos insumos), suas plantações envelhecerem e perderem produtividade. Tudo isso ao mesmo tempo em que mais carros flex chegavam ao mercado, a demanda internacional se intensificava pelo açúcar e a química começava a encontrar novas aplicações para os alcoóis de cana. Mas, se por um lado a crise do etanol nos trouxe os dissabores de lidar com a disparada dos preços, por outro abriu caminho para a maior regulamentação, com a ANP finalmente ganhando mais poderes de controle sobre o etanol. Outro efeito colateral positivo foi a redução da oferta do produto para empresas especializadas em sonegar etanol, que tanto mal trazem ao mercado, embora seus preços distorcidamente baixos agradem algumas autoridades e consumidores. Com isso, ganharam os governos, que passaram a arrecadar mais, e também a revenda, muitas vezes obrigada a praticar preços abaixo do seu custo para enfrentar a concorrência desleal de quem não paga tributos. Recentemente, a ANP realizou uma blitz em 10 estados e apurou elisão fiscal no etanol bem próxima de R$ 1 bilhão (lembram desse número?), graças a uma operação conjunta com as Fazendas estaduais, Receita Federal e Ministério da Agricultura, no âmbito do Comitê de Combate à Sonegação Fiscal na Comercialização de Etanol Combustível. É a constatação, na prática, daquilo que há anos denunciamos em fóruns e para as autoridades. Estamos no caminho correto, mas ainda há muito o que fazer:  fechar brechas para sonegação, monitorar e divulgar os dados de produção e comercialização e, acima de tudo, dar publicidade a todos esses números. É natural do ser humano buscar culpados para situações que nos desagradam ou fogem ao nosso controle, mas é dever das autoridades vir a público e esclarecer que, pelo menos dessa vez, não temos vilões, apenas conjunturas desfavoráveis, que também fazem parte da regra do jogo.

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