Ônus e concentração

Ônus e concentração

Costuma-se dizer que, no Brasil, o ano só começa de fato depois do carnaval, já que muitas decisões importantes são postergadas até março, quando ficaram para trás férias e recessos e boa parte dos dados referentes ao ano anterior estão consolidados. Tal realidade, no entanto, não se aplicou para o setor de combustíveis nesse início de 2010. Num espaço de quase 40 dias, tivemos a introdução da obrigatoriedade do B5 (diesel com 5% de biodiesel), a redução no percentual de etanol na gasolina de 25% para 20%, diminuição da Cide, disparada no consumo de gasolina e sua consequente escassez em algumas regiões (levando a Petrobras a importar o combustível, após tanto se falar em sobras do produto), picos de consumo de energia elétrica exigindo o acionamento das usinas térmicas (o que deixa mais incerto o futuro do GNV) e o anúncio de uma possível joint venture entre a multinacional Shell e a gigante do açúcar e etanol Cosan, só para ficar entre os eventos mais relevantes. A proximidade da chegada da safra e as medidas tomadas pelo governo já tiveram os primeiros reflexos, provocando uma redução nos preços do etanol nas usinas, o que deve ajudar a reequilibrar o mix de consumo entre os dois combustíveis num futuro próximo. O susto, no entanto, serviu para lembrar a falta que faz a existência de estoques reguladores e que a Petrobras talvez precise rever sua decisão de não produzir gasolina nas novas refinarias. Outras questões, entretanto, parecem ter um desfecho mais difícil de prever. A aproximação entre Shell e Cosan, que por enquanto é ainda um noivado, sinaliza para um mercado ainda mais concentrado. Hoje as cinco empresas do Sindicom detêm quase 80% das vendas de combustíveis. Se o noivado se concretizar, serão apenas quatro. Para os postos bandeira branca, cada vez mais será necessário poder contar com boas e confiáveis distribuidoras regionais, que já são e serão mais ainda o fiel da balança num mercado tão concentrado. Segundo dados da ANP, os postos bandeira branca representam hoje quase 44% do mercado e respondem por cerca de 30% das vendas. Foram também os que mais cresceram no ano passado, com expansão de 4%, ante alta de 2,3% entre os vinculados. Concentração nunca é boa para quem deseja ser independente e quase sempre resulta em piores condições de negócios para os empresários. E isso num cenário de custos crescentes com os quais a revenda precisa arcar, seja para se adequar ambientalmente ou para cumprir com exigências burocráticas. Na sexta-feira antes do carnaval, a ANP colocou em consulta pública a minuta do Documento de Estocagem e Comercialização de Combustíveis, uma espécie de LMC eletrônico. A data de publicação parece ter sido escolhida a dedo, já que a proposta não conta com o apoio da Fecombustíveis, nem do Sindicom. Reconhecemos que o DECC será uma ferramenta importantíssima para ajudar a combater as irregularidades do mercado, mas sua introdução (com envio de dados online para a Agência) requer investimentos em equipamentos e em pessoal, o que exige um período de adequação. Afinal, sabemos das dificuldades de acesso à rede de Internet mesmo em grandes centros urbanos, imagine então para postos situados em regiões mais remotas. Pela minuta, o revendedor terá que manter arquivado o DECC impresso e o arquivo eletrônico gerado pelo sistema após o envio das informações para ANP, seus anexos e os documentos de origem dos combustíveis relativos aos  cinco últimos anos! E quem não entregar o DECC ficará proibido de comprar combustível junto às distribuidoras. Em outras palavras, iremos arcar com custos de modernização, ficaremos submetidos a penas drásticas e nem teremos o benefício de nos livrarmos dos arquivos de papéis. Com certeza o DECC facilitará a vida dos fiscais da ANP, mas quem simplifica o dia a dia dos empresários? Aqui em Minas Gerais, alguns empresários já são obrigados a ter um funcionário responsável somente por atualizar os dados para a Fazenda estadual e temos que certificar densímetros e provetas em laboratórios específicos, que não são suficientes para atender toda a demanda nacional. E tudo isso tem um custo, cada vez mais oneroso especialmente para quem comercializa, por exemplo, 130 mil litros mensais (a média nacional). A Fecombustíveis é defensora ferrenha da maior fiscalização e regulamentação do mercado. Mas transferir o ônus desses sistemas de controle para os empresários não parece ser o caminho mais justo.

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